Oito pessoas por dia entram na fila de espera por um órgão na Bahia

No ano passado, 3.117 pessoas entraram na fila dos transplantes no estado

Em quatro meses, a estudante Cláudia Queiroz, 39 anos, teve sua vida completamente modificada – e não por vontade própria. A rotina de lecionar inglês e teatro e estudar língua estrangeira na Universidade Federal da Bahia (Ufba) teve que ser interrompida para, literalmente, ter a vida condicionada às máquinas. Em abril de 2017, ela descobriu que tem mau funcionamento nos rins e que precisa de um transplante. Em agosto, começou a fazer hemodiálise para tratar a doença, que é crônica.

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Ela é uma das 1.613 pessoas na Bahia que esperam por um transplante. No estado, no ano passado, oito pessoas entraram na fila de espera por dia, em média. Com a descoberta, a rotina de Cláudia agora é outra. “Com essa doença, parei tudo. Tive que interromper a minha vida porque estou presa a uma máquina”, lamenta.

E o que para muitos são apenas números, para Cláudia é a chance de continuar sua vida. “O transplante é a minha oportunidade para ficar livre para viver. É uma luta constante, a gente corre por esse milagre. Eu levo o tratamento como uma coisa positiva, mas meu sonho é sair dele, porque é doloroso”, declara.

Entrada e saída
Durante todo o ano passado, 3.117 pessoas entraram na fila de espera para transplantes na Bahia. O volume de entrada não acompanha, no entanto, o número de doadores e transplantes realizados: foram apenas 99 doadores efetivos e 822 transplantações realizadas. Com esse resultado, o estado não atingiu a meta de doação por milhão de população, que era de 8%.

O número alcançado, 6,5%, é menor, inclusive, do registrado em 2016, 7%, quando houve 107 doadores efetivos. A meta para o próximo ano é que 9,5% da população diga “sim” para a doação. Enquanto isso não acontece, a Bahia ocupa o 5º lugar no número de mortes na fila de espera por transplantes no Brasil. Somente no ano passado, 102 pessoas morreram sem conseguir o órgão.

O tempo de espera para a cirurgia varia de acordo com o órgão que a pessoa precisa. Na Bahia, são realizados transplantes de córnea, rim, fígado e pulmão – no caso de pâncreas, por exemplo, a pessoa que precisa de um transplante é encaminhada para outro estado. O estado não realiza transplantes de coração desde 2015. 

O tempo de espera que mais varia é justamente o do rim, que tem a fila mais extensa – são 838 pessoas esperando por um ógão, segundo dados do Registro Brasileiro de Transplantes (RBT). Em média, os receptores aguardam dois anos para a cirurgia. Mas há quem espere muito mais do que a média.

Oito anos
Foi o caso da dona de casa Gildenice Souza Santos, 36, que teve sua busca por um fígado compatível finalizada há 23 dias. Após oito anos se medicando para controlar a cirrose hepática, ela recebeu a notícia de que ganharia um novo fígado. “Eu saí pulando, chorando e abraçando todo mundo. Graças a Deus, agora eu consegui”, conta, aos risos. Agora, a luta de Gildenice será outra: atualmente, ela faz exames duas vezes por semana. Mas os encontros com o médico não terão fim.

A dona de casa explica que é hora de se divertir bastante. “A primeira coisa que eu quero fazer quando estiver mais recuperada é ir à igreja para agradecer a Deus por ter sobrevivido. Tem muita gente que não fica vivo”, disse.

Teve quem recorresse a outros estados na esperança de conseguir o transplante de forma mais rápida. O administrador de empresas Arnaldo Bahia, 36, tinha uma rotina de exercícios físicos diários, como natação, academia e caminhada. Em junho de 2015, ele descobriu que sofria de glomerulonefrite – inflamação do glomérulo, uma unidade funcional do rim, responsável pela remoção do excesso de fluidos do órgão e resíduos da corrente sanguínea.

Ele espera um novo rim em São Paulo, por recomendação médica. “Esperança a gente tem, mas acalmei o coração. Eu já fui chamado três vezes para pré-seleção de transplantes. No início dava como compatível, mas depois não era selecionado. Hoje eu não crio expectativa”, conta, enquanto faz diálise em casa com ajuda da esposa e filhas.

Solidariedade
O percentual de recusa de doaçao nas entrevistas aumentou de 44% para 56% de 2016 para 2017 na Bahia. De acordo com a coordenadora de transplantes da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), Rita Pedrosa, falta um investimento no acolhimento das famílias dos possíveis doadores. “Se a família não for bem atendida, quando for abordada, irá dizer não”, diz.

Além de não bater a meta anual de doadores, a Bahia ficou bem abaixo em todas as metas. Era estimada a necessidade de 1.375 transplantes de córnea e somente foram feitas 636 (46%). Dos 917 necessários de rim, apenas 137 (14,9%) foram realizados.

Junto com campanhas de conscientização, a Sesab ofereceu um curso de abordagem familiar para seus membros. “Quando a pessoa morre, ela perde temperatura corporal automaticamente. Então, é preciso que o corpo seja mantido na UTI, aquecido com manta térmica e olhado com atenção. Ele não é um morto, é um gerador de vida que pode salvar outras pessoas”, salienta. A doação dos órgãos de uma pessoa falecida pode ajudar até 25 doentes.

Desejo por ‘corpo íntegro’ motiva recusas de doações
Somente no ano passado, dos 493 potenciais doadores de órgãos identificados na Bahia, 196 acabaram descartados por conta da recusa de familiares em doar os órgãos. A taxa de recusa de 62% foi a quarta maior do Brasil, perdendo apenas para Mato Grosso (80%), Sergipe (74%) e Maranhão (64%). Nesse quesito, a Bahia empatou com Goiás, que também teve 62% de recusa dos potenciais doadores.

Os motivos para recusa são os mais diversos. No entanto, de acordo com dados da Coordenação Estadual de Transplantes (CET), ligada à Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), a maioria dos casos de recusa em doar os órgãos ocorreu porque os familiares do doador desejavam receber o corpo íntegro – 40 casos. Em segundo lugar – 39 casos – houve recusa porque a pessoa não era doadora em vida.

Em 32 casos, a família foi contra a doação. Em outros 26, os parentes não aceitaram aguardar o processo de captação dos órgãos para a doação. Depois aparecem as situações em que a causa da morte não foi registrada (20) e aqueles em que não houve consenso entre os familiares (16). Somente em dez casos houve recusa por  questões religiosas.

Houve recusa, ainda, em oito casos, por descontentamento com o atendimento do hospital, dois casos em que a família desconhecia o desejo do doador, mais duas situações em que não acreditavam no diagnóstico médico. Por fim, houve um caso em que havia sentimento de culpa em relação à morte.

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