Baiana acusa policial de estupro na Argentina: ’30 min desesperadores’
Em viagem de férias, a jovem acusa um policial do país e presta queixa no Ministério Público
O que tinha tudo para ser a viagem perfeita ao lado do namorado se transformou em um pesadelo. “Foram os 30 minutos mais desesperadores da minha vida”, resume a baiana Tatiane Costa Martins (nome fictício), 27 anos, ao relatar a violência sexual que conta ter sofrido de um policial de Buenos Aires, na Argentina, em 26 de setembro último.
A vítima pediu para não ser identificada e denunciou o caso ao Ministério Público da Argentina
(Foto: Almiro Lopes/ CORREIO)
A jovem saiu de férias e decidiu fazer um mochilão por países da América do Sul. Ela e o namorado saíram do Brasil e foram até a Bolívia. “A gente vê muita pobreza, mas foi uma viagem supertranquila e de paisagens lindas”, contou. Depois, os dois foram para o Chile, onde também não houve problema.
O casal decidiu pegar uma carona até a Argentina e recebeu a ajuda de um caminhoneiro que estava, justamente, indo em direção ao Porto de Buenos Aires, que fica logo na entrada da cidade, em uma zona que não é residencial. Tatiane e o namorado chegaram ao destino por volta das 23h.
“Estava muito deserto e escuro. Até encontramos uma trans, no Porto, que nos alertou sobre a falta de segurança no local. Mas a gente precisava encontrar um hotel. Continuamos andando até avistar um homem dentro da área privativa de uma empresa. Ele nos chamou e ofereceu ajuda, mas, no momento em que já estávamos entrando no estabelecimento, dois policiais apareceram”, relatou a jovem.
Nesse momento, Tatiane afirmou que o casal só queria chegar a um ponto de ônibus, de onde seguiriam até um hotel próximo. Diante da ajuda dos policiais, eles não hesitaram e seguiram com os dois homens, numa espécie de ‘escolta despreocupada’. Mas, como o ônibus demorou a passar, os agentes ofereceram uma carona – cada um em uma moto, com um passageiro na garupa.
“Um deles estava de moto e o outro de quadriciclo, todos dois veículos oficiais de Buenos Aires, porque dava para ver o símbolo da cidade e a bandeira da Argentina”, lembra ela. Dessa forma, acreditando estar seguros, Tatiane subiu na garupa do quadriciclo, enquanto o namorado foi de moto.
Mas, após pararem em um semáforo, no meio da estrada, um caminho acabou separando os dois veículos, deixando cada um em um lado da pista. “Parecia coisa de filme, eu olhar para o lado e não ver mais a moto com meu namorado. Eu estava em um país que não é o meu, com um idioma que eu não sou fluente. Senti muito medo, me senti impotente, mas mantive a calma”.
Tatiane contou ainda que, quando perguntou ao policial onde o parceiro dele tinha ido com o namorado, recebeu como resposta que eles tinham seguido para o hotel e em instantes ela estaria ao lado dele. “Ele me disse, apenas, que a gente iria trocar
de carro, pegar o carro particular dele e deixar o quadriciclo em um estacionamento perto de onde estávamos. Faríamos isso, porque estava começando a chover”, relatou.
Cerveja
Foi a partir da resposta dada pelo policial argentino que Tatiane começou a observar os movimentos do homem e percebeu que no quadriciclo tinham algumas latas vazias de cerveja. “Perguntei se ele estava bebendo e ele me disse, sempre com ar de chacota, que já era final de expediente”, disse.
A jovem afirmou que, logo depois de fazer a pergunta sobre a bebida, o homem pediu que ela segurasse na cintura dele, alegando ser mais seguro. “Eu segurei e, imediatamente, ele colocou minha mão nas partes íntimas e já estava ‘alterado’. Eu fiquei muito nervosa, ele estava armado, era policial e poderia fazer qualquer coisa pior comigo, a depender de minha reação”, destacou.
Ao chegar ao veículo do policial, que, segundo Tatiane, tinha a cor branca – essa é uma das poucas informações que a jovem tem sobre o suposto agressor -, a baiana afirmou que o homem já estava com as calças na altura do joelho. “Ele começou a se masturbar e colocou minha mão no membro dele. Nesse momento, ele falou que ‘na Argentina pode tudo’ e me disse para ficar tranquila. Eu pedi por favor para ele me levar até meu namorado”, contou.
Mais uma vez, Tatiane disse que, por mais nervosa que estivesse, procurou manter a calma, para que o homem não percebesse o pânico que ela estava sentindo. Foi quando o celular dele tocou. “Era o amigo policial, que já estava com meu namorado no hotel. Foram cerca de três ligações e ele inventou a desculpa de que estávamos no trânsito, atrás de uma ambulância, e que ainda iríamos demorar”.
Tatiane disse ainda que o policial quis beijá-la, passou a mão pelo corpo dela, “sempre dando risada e me pedindo para ficar tranquila”. Depois de muito pedir, após cerca de meia hora, ela foi levada ao hotel, onde finalmente se encontrou com o namorado.
“Nada vai apagar”
Na manhã seguinte à violência relatada pela jovem contra o policial argentino, Tatiane foi ao Ministério Público de Buenos Aires, onde fez a denúncia, a pedido do namorado.
“A promotora que me recebeu e está acompanhando o caso pediu desculpas por todo o país, afinal, ele é um funcionário da Argentina, é policial”, disse a jovem. Ainda segundo a vítima, as autoridades argentinas vão investigar o crime, mas a falta de informação sobre o suposto agressor dificulta as coisas.
Durante a entrevista que o CORREIO fez com Tatiane, o advogado dela, o criminalista Leonardo Lima, entrou na sala e explicou que a pena para esse tipo de crime na legislação argentina chega a 20 anos. “Eu sei que nada vai apagar o que eu vivi, mas eu denunciei para impedir que isso aconteça com mais mulheres”, disse ela.
Esse foi o argumento usado pelo namorado para convencer a vítima a fazer a denúncia. “Mesmo que ele [o policial] não vá preso, eu quero que as outras pessoas saibam o que aconteceu”, disse ele, também sem se identificar.
No Brasil, o estupro já é classificado como crime grave no Código Penal, com penas de 6 a 10 anos de reclusão: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
A única informação que Tatiane tem do policial é o primeiro nome: Augustin. As outras pistas são inconsistentes ainda, de acordo com o advogado, que assumiu o caso nessa quinta-feira (4). “A gente sabe que ela não vai precisar ficar em Buenos Aires para colaborar com as investigações. Já acionamos o consulado e o Itamaraty e estamos aguardando uma resposta. Tudo é muito recente”, afirmou ele. Tatiane voltou para Salvador no último dia 30.
O CORREIO procurou o Consulado da Argentina, mas o responsável viajou para Porto Seguro e só retorna na terça-feira. Já o Itamaraty prometeu responder ainda nessa quinta, mas a assessoria não foi mais localizada.
Ainda segundo o advogado da vítima, o Ministério das Relações Exteriores está ciente do caso, e haverá uma reunião na segunda-feira
*Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro
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