Líder do PCC na Bahia voltou à terra natal para matar uma família
Aderley Aires Santos, o Sniper, foi um dos nove presos ligados à facção transferidos para a segurança máxima
Filho de José Florência dos Santos e Maria Pureza dos Santos, o traficante cujo nome de batismo é Aderley Aires Santos nasceu no dia 29 de dezembro de 1985, na cidade baiana de Itapicuru, no Nordeste do estado. Na juventude, seguiu o rumo da maioria dos jovens de sua cidade: tentou a vida em São Paulo, mas acabou preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Mauá, unidade dominada pelo PCC. Lá, teria sido batizado na facção como Sniper, nos anos 2000. Assim começa a história do homem que se tornou na Bahia a liderança da maior organização criminosa da América Latina.
Snipper está preso há quase 19 anos (Foto: Reprodução)
Sniper está preso há quase 19 anos. A primeira prisão foi em agosto de 2009, quando passou a cumprir pena por posse de tóxicos na Penitenciária de Guaraí, em São Paulo. Posteriormente, já em 2013, o baiano foi transferido para o Conjunto Penal de Serrinha, onde ficou de julho de 2013 a janeiro de 2016 – quando foi, enfim, levado para o Conjunto Penal de Feira de Santana. Lá, permaneceu até a atual transferência, para Catanduvas.
De acordo com informações da direção do Conjunto Penal de Feira de Santana, Sniper foi tirado de São Paulo para Serrinha, na Bahia, porque havia sido condenado a 40 anos e três meses de reclusão por crime de homicídios. O número de mortes atribuídos a Aderley, no entanto, não foi informado.
Atualmente, aos 33 anos, Aderley teve sua transferência determinada pela Justiça junto com outros oito presos do Conjunto Penal de Feira de Santana no dia 13 deste mês – mesmo dia em que a cúpula da facção paulista foi retirada de unidades prisionais de São Paulo para presídios federais no país, entre eles, o líder máximo, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. Aderley foi levado para o Penitenciária Federal de Catanduvas (PR), junto com o seu braço direito, Laércio dos Santos Machado, o Nego Lama.
O CORREIO teve acesso, com exclusividade, à decisão da transferência de Aderley determinada pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) – o documento é assinado pelo até então juiz da Comarca de Feira de Santana Waldir Viana Ribeiro Júnior, no dia 13 de novembro de 2018. A intenção do MP-BA, autor do pedido, era encaminhar o traficante para o Presídio de Serrinha. Mas, diante da periculosidade do preso, aliada à vulnerabilidade da unidade de segurança máxima, apontada pelo juiz, a Justiça baiana decidiu transferir a liderança do PCC na Bahia para Catanduvas.
O magistrado explica a retirada do traficante do estado. O motivo é a execução de “um plano de expansão da organização criminosa paulista PCC, com a finalidade de assumir diretamente o controle do crime organizado na Bahia, sobretudo o comércio de entorpecentes, passando por crimes contra instituições bancárias e até mesmo agências da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos”, diz trecho da decisão.
Outros internos do conjunto penal ligados à facção foram transferidos para o Presídio de Serrinha, unidade de segurança máxima do estado. São eles: Diogo Silva de Amorim, Edson Barreto Soares, Adilson da Conceição Ramos, Cleber Brito de Souza, Cipriano Bernardo de Jesus, João José dos Santos Filho e Sandson Santos Carvalho.
Rixa
Não há informações se houve uma fuga ou se Sniper foi colocado em liberdade. Mas, uma fonte ouvida pelo CORREIO, conta que, em janeiro de 2006, com 21 anos, Aderley retornou a Itapicuru exclusivamente para matar uma família. De acordo com uma fonte da cidade ouvida pelo CORREIO, o traficante queria vingança.
“Os parentes dele já tinham uma rixa com essa família, porque um dos irmãos, que era usuário de drogas, foi proibido de entrar numa festa. Houve uma discussão. Dias depois, esse mesmo irmão foi preso e os parentes de Aderley acreditaram que alguém da família em questão havia feito a denúncia. Então, chamaram ele (Aderley) para resolver, na verdade, para matar todo mundo”, contou a fonte, que mora há 30 anos na região.
O crime aconteceu após Aderley e os dois irmãos invadiram uma casa na zona rural da cidade e atiraram contra uma família – pai, mãe e filha. “A primeira a morrer foi a filha, uma jovem de 20 anos. Ela foi baleada no corredor da casa, logo após a invasão. Na hora, ela não teve chance de defesa, foi atingida com dois tiros na cabeça. Os pais correram para os fundos, mas a mãe foi atingida com um tiro de 12 (escopeta) e também morreu na hora. Já o pai conseguiu pular uma janela e fugir pelo matagal”, contou a fonte.
No dia seguinte, o pai fez a denúncia, apontando um dos criminosos. “Um dos irmãos de Aderley era gago e por esse detalhe a polícia chegou aos três”, complementou. Ao retornar para São Paulo, Aderley acabou preso novamente por tráfico de drogas na cidade de Cabreúva – um dos irmãos que havia fugido com ele foi assassinado em Itapevi (SP) e outro preso em Catu, região do Recôncavo da Bahia.
Pelas mortes de mãe e filha, o traficante foi condenado à pena de reclusão por 40 anos e 3 meses, por homicídios qualificados, no fato que ficou conhecido como “Chacina de Itapicuru”.
Isolamento
Já apontado como um dos líderes do PCC, Aderley estava custodiado no Conjunto Penal de Feira de Santana desde 11 de janeiro de 2016 – ele cumpria pena por homicídio e passou dois anos, três meses e dois dias lá, até ser transferido para Catunduvas no dia 13 deste mês.
Atualmente ele desempenha a função de “Sintonia Final do Estado”, ou “Geral do Estado” ou “Torre” do PCC na Bahia. É a posição máxima na hierarquia da facção nos estados (exceto em São Paulo) e a segunda na hierarquia nacional. Somente se subordina aos integrantes da “Sintonia Final dos Fundadores”, restrito grupo de criminosos (todos paulistas), a maior parte presente na organização criminosa desde a fundação, em 1993.
De acordo com a investigação do Ministério Público da Bahia (MP-BA), a missão imputada pelo PCC a Aderley consiste numa rede de atribuições.O objetivo mais importante é dar materialidade às atuais estratégias da facção, expandir seus negócios espúrios para o território nacional e também para países vizinhos, além de assumir diretamente a venda do entorpecente aos usuários, mantendo sob seu crivo toda a cadeia de produção do tráfico.
Dias antes de sua transferência, o traficante pediu para ir para a ala de isolamento do Conjunto Penal de Feira de Santana.
“Ele pediu para ficar no seguro, uma área de isolamento, com receio da integridade de sua vida. Mas não foi claro em relação a isso. Acredito que seria por causa de alguma rivalidade interna”, declarou o capitão Allan Silva Araújo, diretor do conjunto penal.
Segundo Araújo, Aderley tinha um bom comportamento. “Aqui na unidade não se envolvia em confusão, era uma pessoa tranquila. Apesar dessa tranquilidade, ele e os demais foram transferidos por que foram identificados nas investigações do Ministério Público como lideranças (do PCC). Eles, em geral, não causavam problema de disciplina. As grandes lideranças normalmente não se envolvem em nada, para não ficarem em evidência”, disse o capitão.
Ainda durante entrevista ao CORREIO, o capitão comentou as ponderações do Ministério Público Estadual citadas pelo juiz em sua decisão de transferência dos presos, antes custodiados no Conjunto Penal. Ele chamou o pavilhão nove de sucursal do PCC. “No nosso entendimento, houve um excesso nas palavras. Dos nove, somente cinco habitavam o pavilhão nove”, declarou o diretor da unidade.
Braço direito
De acordo com a decisão de transferência de Aderley, a qual o CORREIO teve acesso, o juiz Waldir Viana disse que, para ascender ao ápice da organização criminosa, Aderley “contou com diversos apoios de criminosos importantes, quer no âmbito deste Estado, quer no âmbito do Estado de São Paulo”.
Destaque-se dentre os criminosos que o apoiam no núcleo baiano do PCC Diogo Silva Amorim, o Irmão Fênix – ele foi dos transferidos para Serrinha e é paulistano da favela de Heliópolis, onde ocupava a função de gerente do tráfico da localidade, reduto da facção. Na Bahia, Diogo acabou sendo preso pela Polícia Federal na Operação Catoleiro, que combateu o tráfico interestadual de entorpecentes, entre São Paulo e Bahia.
Ainda segundo o documento, o juiz diz que “é do conhecimento das autoridades que lidam com a repressão ao crime organizado, (que) a Bahia é prioridade absoluta para o PCC. Para atingir seu desiderato a facção não tem economizado esforços nem recursos, a uma pela posição estratégica (ligação entre norte e nordeste, sul e sudeste), a duas por se tratar de um mercado consumidor gigantesco”.
Se há pouco se contentava em ser o fornecedor de drogas no atacado para todas as facções locais, agora o intuito do PCC vai bastante além e rapidamente tem passado a controlar a distribuição interna nas cidades baianas tidas como mais relevantes, repetindo a estratégia já adotada no Estado de São Paulo, onde controla diretamente as “biqueiras” e “bocas de fumo”, através de um intricado e bem estruturado sistema organizacional.
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