Produtor investe R$ 50 milhões para produzir vinho na Chapada Diamantina
Projeto foi iniciado em 2012 e primeiras garrafas chegam ao mercado 2021
Não é diamante, mas vem sendo lapidado com paciência, assim como as antigas pedras preciosas da Chapada Diamantina. O produto é um vinho fino, de alta qualidade.
(foto Andre Fofano / Divulgação)
Produzido com uvas cultivadas aos pés da Serra do Sincorá, o vinho começou a ser planejado em 2012. Foi quando as primeiras videiras experimentais foram semeadas em dois hectares da Fazenda Progresso, entre os municípios de Mucugê e Ibicoara.
Nos últimos sete anos a produção envolveu inúmeros testes, repetidas provas, recorrentes análises de especialistas. Os vinhos de guarda envelhecidos em barricas também já foram colocados à prova e submetidos ao paladar de exigentes someliers. Tudo em busca do sabor e aroma ideais.
“A uva equilibrada e complexa cultivada aqui serve de matéria prima para um vinho com acidez de média a alta, boa estrutura, encorpado e com longevidade. Ela permite a produção de um vinho que pode passar até 2 anos em barricas, e até 10 anos quando chegar ao mercado”, afirma o Diretor de Negócios Café e Vinho da Fazenda Progresso, Fabiano Borré.
As videiras já ocupam atualmente 42 hectares da fazenda, mas os lotes comerciais da bebida só devem chegar ao mercado em 2021.
O vinho faz parte de um projeto ainda maior, a instalação de uma nova fronteira vinícola genuinamente baiana. A implantação da rota empreendedora contou com um investimento de R$ 50 milhões e envolve a construção de um hotel. Os produtores rurais acreditam na força e essência da Chapada para o sucesso do empreendimento.
“A essência da Chapada é a riqueza natural da região e as pessoas. Queremos que este vinho represente esta essência, com qualidade e sabor diferenciado. Mas também com sustentabilidade baseada no tripé econômico, social e ambiental. Acreditamos que o desenvolvimento pode caminhar junto com a produção agropecuária e a preservação do meio ambiente”, afirma o gestor do projeto.
Terroir baiano
Incluir um novo fruto no catálogo agropecuário da região não foi fácil. Sem parâmetros anteriores, os agricultores tiveram que fazer estudos e pesquisas aprofundadas sobre fermentação, adubação e colheita de uvas viníferas em uma área onde nunca houve este tipo de cultivo.
O microclima da Chapada é uma das bases da produção. Segundo os especialistas, esta parte da Bahia possui condições climáticas que não se repetem em nenhuma outra região do Brasil.
Com altitude acima de 1.150 metros, as temperaturas variam de 8 a 24 graus durante a colheita, uma variação considerada ideal para maturação. Também foi adotado um sistema de poda que beneficia a brotação dos frutos. Além disso, a composição do solo e as estações bem definidas favorecem as videiras. Juntos estes fatores potencializam a área como novo terroir, antes mesmo do lançamento do vinho.
“Não é mágica. É resultado de muita paciência, persistência, técnica e dedicação. Mas sobretudo depende do potencial natural desta região. É ele que está permitindo o surgimento destas uvas especiais e vinhos superiores. É a força do terroir, a junção de solo, clima, variedade e manejo, que proporciona um maturação fenólica diferenciada, complexidade aromática e estrutura com tanino aveludado e redondo”, afirma o enólogo Marcelo Petroli.
A região é tão fértil que os produtores já adiantam que estão mapeando, nos mesmos parreirais, novos “micro terroirs”, pequenas faixas em que as uvas podem se revelar ainda mais especiais. Elas seriam capazes de produzir lotes de vinhos ainda mais raros.
Quando for lançado no mercado, a produção da Fazenda Progresso vai se juntar aos vinhos já fabricados em Morro do Chápeu, também na Chapada Diamantina. Dos parreirais de lá, mantidos por outros oito produtores rurais, já saem nove variedades de uvas, como a Sauvignon Blanc e Syrah, além de vinhos tintos e brancos.
Outra vantagem do cultivo de uva viníferas é que elas consomem 75% menos água do que os cultivos tradicionais. São cerca de 70 milímetros de água por ano. A baixa demanda hídrica das videiras atende a uma preocupação dos próprios agricultores. Nos últimos anos eles tiveram que adaptar as plantações à baixa oferta de água na região. Para continuar produzindo alimentos, a estratégia foi aumentar a produtividade usando tecnologia e ocupando menos espaço.
A produção do vinho já emprega 60 pessoas. A expectativa é de que pelo menos outras 190 profissionais sejam contratados para atuar no segmento vinícola da fazenda até 2021.
A produção também conta com um sistema de rastreabilidade. Ele permite controlar e monitorar vários detalhes da produção, entre eles os insumos usados na lavoura, a quantidade colhida e o momento em que a adubação foi realizada. Em um laboratório instalado na própria fazenda, os lotes passam pela análise de profissionais que fazem a inspeção e o controle da produção.
Persistência familiar
O agricultor Fabiano Borré faz parte da terceira geração da família a produzir alimentos na Chapada. A história começou há 35 anos, quando o pai, Ivo Borré, e o avô dele, Pedro Hugo, chegaram a Bahia em 1984.
Eles tinham saído do Rio Grande do Sul em direção ao Mato Grosso, mas acabaram indo parar em Mucugê. Lá os agricultores conseguiram comprar um pedaço de terra ao incluir uma velha caminhonete no negócio.
Em uma época em que nem existia energia elétrica na fazenda, Seu Ivo, como é chamado, começou plantando soja e trigo. Mas depois de quatro safras malsucedidas decidiu arrendar as terras para um grupo de japoneses. Em 1988, os arrendatários plantaram batata e a iniciativa deu certo. No ano seguinte, depois de receber as terras de volta, Seu Ivo também passou a plantar o legume.
Sem muitos recursos, o primeiro hectare de batata foi cultivado com a resto das sementes deixadas no solo pelos japoneses. Começava ali um dos negócios agropecuários familiares mais bem-sucedidos do país. De lá para cá as plantações não pararam de crescer. De 1,8 hectares passou para quatro, depois para oito, e assim sucessivamente. Hoje, os irmãos, filhos, sobrinhos, todos trabalham no campo e dividem a gestão da empresa agrícola.
“Nós temos muito orgulho de trabalhar na agricultura. Me sinto realizado e feliz em participar do progresso desta região”, afirma Ivo Borré.
Atualmente as Fazendas Progresso geram cerca de 600 empregos diretos. Delas saem cerca de 75 mil toneladas de batata por ano. Quantidade suficiente para alimentar 7 milhões de pessoas anualmente. Toda a produção é comercializada no Nordeste, cerca de 40% ficam na Bahia. Também são produzidos tomates e cebolas. Já dos cafezais brotam 25 mil sacas de café por ano. A maior parte dos grãos, cerca de 75%, é exportada para dez países.
Os cafezais também vão integrar o projeto de enoturismo. É que as uvas viníferas serão colhidas na mesma época dos grãos de cafés especiais já cultivados na fazenda. Um compartilhamento de fatores que deve fortalecer o turismo, a rede hoteleira e a gastronomia da região, além de valorizar a mão de obra local.
“Ambos os frutos exigem as mesmas condições climáticas, e isso reforça a riqueza e o potencial desta região. Cada vez mais os produtores daqui conseguem cultivar produtos de valor agregado, que necessitam menos água e que podem gerar impactos sociais positivos para toda a chapada”, completa Fabiano.
‘Dificuldades logísticas são sempre uma questão, mas não têm sido uma barreira’
Formado em administracao de empresas, com MBA em finanças coorporativas, Fabiano Borré vem sendo considerado um dos mais promissores jovens empresários do agronegocio brasileiro. Desde criança acompanha o pai e os tios no campo, e atualmente é Diretor de Negócios de Café e Vinho das fazendas progresso.
*Qual o potencial mercado de vinho fino hoje no Brasil e no mundo?
O vinho fino e a cultura que ele dissemina tem galgado cada vez mais espaço no mundo inteiro. No Brasil não é diferente, o consumo de vinhos finos vem caminhado a passos largos e o mercado evolui ano a ano. Na mesma esteira o consumidor brasileiro está a cada dia mais qualificado e ávido por conhecer mais desse mundo tão contagiante. Outro viés muito importante e significativo é que nós estamos vivendo um momento em que o vinho brasileiro está ganhando mais destaque no setor, estamos aprendendo a valorizar com mais ênfase os produtos e produtores nacionais. Desta forma o que pretendemos com o Projeto é contribuir decisivamente com este cenário, fortalecer este segmento e ofertar o melhor que pudérmos aos brasileiros, baianos e quem sabe, compartilhar um pouco do nosso Terroir também com nichos específicos de mercados mais distantes.
*A Chapada Diamantina vem se consolidando como grande polo diferenciado de alimentos como uvas viníferas, hortaliças, cafés especiais e frutas vermelhas. Como facilitar a logística e o escoamento de toda esta produção?
Sem dúvida as questões logísticas sempre são um tema em pauta em nosso país. Atualmente o único modal disponível para escoamento da produção na Chapada é o terrestre, dependemos exclusivamente do transporte rodoviário e por consequência da malha viária existente. Contudo, isso não tem sido uma barreira, pelo contrário, temos visto os produtos locais ganharem mercado nacional e também alcançando os mais exigentes nichos pelo mundo, no caso do Café especificamente. Não vejo muitas soluções diferentes nesse sentido, considerando principalmente que a Chapada é uma região bastante montanhosa. Obviamente é fator decisivo sempre será ao menos a manutenção periódica das estradas de que dispomos. No campo turístico, a região com a recente inauguração do aeroporto de Vitória da Conquista que deve fomentar o incremento do volume de negócios e do número de visitantes, para além do aeroporto de Lençóis e até mesmo Salvador.
*Você faz parte de uma nova geração de agricultores, antenada com inovadoras formas de produção. Quais os caminhos para aliar sustentabilidade e produtividade?
Neste quesito certamente estamos passando por uma transformação e por um momento único de oportunidade. O ganho de consciência que a sociedade tem demonstrado tem influenciado a forma como vemos o futuro. As responsabilidades ficam cada vez evidentes e hoje temos a capacidade de discernir com mais clareza e rapidez a cerca dos mais variados temas, dada a velocidade com que as informações são compartilhadas. Aqui na Chapada nunca vimos a produtividade e a sustentabilidade seguirem caminhos distintos, pelo contrário, possuímos um exemplo de como as coisas podem dar certo nesse sentido. O Agropólo Mucugê Ibicoara foi o primeiro caso de Licenciamento Ambiental Conjunto do País e hoje serve de referência para outras regiões. Usamos o que há de mais moderno em termos de técnicas e processos produtivos, o foco a bastante tempo tem sido produzir mais com menos e hoje a região está no topo da pirâmide quando se fala em qualidade ou produtividade das culturas aqui cultivadas. A sustentabilidade permeia nosso dia a dia, haja vista que o pleno emprego também é uma realidade e no partido econômico todos se desenvolvem, quer sejam pequenos, grandes ou médios.
*O Brasil vem enfrentando nos últimos anos uma grave crise econômica. Mas vocês optaram por continuar investindo e criando novas frentes de trabalho aqui no Nordeste. Quais fatores fazem vocês acreditarem na produção nacional como um bom negócio?
Jamais pensamos em outra direção, não possuímos negócios em qualquer outro lugar, sempre acreditamos no potencial da nossa região e do Brasil. Somos uma empresa intimamente agrícola, então até hoje todos os nossos negócios estão diretamente ligados ao cultivo da terra. Os principais fatores que nos motivam a continuar apostando no crescimento aqui mesmo na região são na realidade aqueles que diferenciam a Chapada de algumas outras regiões. Possuímos um Terroir único, com altitude, condições climáticas ideais, solos adaptáveis e potencial para extrair o melhor de cada cultura, indo desde o hortifruti até as uvas viniferas. A cada ano novos horizontes se mostram e mais oportunidades se criam, é um ambiente propício para o ‘Progresso’.
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