Infectados pela covid-19 estão proibidos de votar em cidade baiana

Decisão legal gera debate médico e jurídico em Miguel Calmon 

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Uma decisão judicial dividiu opiniões na cidade baiana de Miguel Calmon, no piemonte da Chapada Diamantina. O motivo das polêmicas, na verdade, é um debate acalorado que envolve direito de voto do cidadão e saúde pública. É que se o eleitor que for votar no próximo domingo (15) estiver infectado pelo coronavírus, pode pegar de um mês a um ano de prisão. A pena é ainda maior para o profissional de saúde contaminado.

O juiz Maurício Álvares Barra, responsável pela decisão, afirmou que o motivo da decisão foi o aumento dos casos de covid na região e, também, por ter ouvido falar que alguns eleitores, que foram diagnosticados com a doença estavam afirmando que iriam votar no domingo. “Ressaltei que não há nenhuma vedação ao direito ao voto, mas a própria situação de isolamento impede a locomoção das pessoas que se encontram com covid, logo, não poderiam também comparecer nas seções eleitorais no dia das eleições e, caso contrário, conforme dito, estariam em situação flagrancial pela incidência do crime previsto no artigo 268 do Código Penal e seriam conduzidas para lavratura do TCO da delegacia”, diz.

O que está em jogo 
Mas, dentre eleitores da cidade, especialistas em direito penal e profissionais da área de saúde, há quem discorde da medida e a considere violadora do Código Eleitoral. É o caso da doutora em Direito Penal, Daniela Portugal. Ela lembra que a Constituição trata do voto não apenas como um direito, mas também como um dever do cidadão. “Somente o texto constitucional pode disciplinar restrições ao voto e não leis ordinárias ou portarias, como fundamentou o magistrado”, afirma.

Além disso, Daniela ressalta que, na medida, há a violação no artigo 236 do Código Eleitoral. Esse artigo proíbe prisão e detenção de eleitores desde 5 dias antes e até 48 horas depois do encerramento da eleição. “Inclusive, as autoridades públicas que ordenassem a prisão do eleitor estariam cometendo crime eleitoral”. E cita o artigo 298 do Código Eleitoral, que criminaliza a conduta daquele que prender ou detiver eleitor. “Por tudo isso, entendo que jamais poderia ser o eleitor, no dia das eleições, vítima de medida privativa ou mesmo momentaneamente detentiva de sua liberdade”.

Já o promotor de justiça Marcelo Miranda, aponta que, apesar de não caber uma prisão ao eleitor que vá votar, ele também não teria liberdade de escolha de ir votar, uma vez que foi diagnosticado com o vírus e notificado a cumprir isolamento. “O crime do Artigo 268, destinado a impedir propagação de doença contagiosa, é de menor potencial ofensivo, razão pela qual não seria válida a prisão. Mas, caso o eleitor esteja infectado e vá votar, pode responder por um crime ainda mais grave, por contagiar outras pessoas e causar a pandemia, Artigo 267”. Ele ressalta que a determinação de isolamento não é um conselho, é uma obrigação.

O que pensam os profissionais de saúde
A opinião contrária à medida também é compartilhada pela enfermeira e natural da cidade de Miguel Calmon, Roberta Carvalho – mas por um motivo diferente. Roberta cita a quebra de sigilo profissional que a medida causa, uma vez que a lista de pessoas contaminadas pela covid-19 ficaria disponível para terceiros, incluindo o próprio juiz. “A partir do momento que a gente descobre que o paciente tem uma determinada patologia, isso tem que ficar entre médico e paciente. A divulgação desse resultado é quebra de sigilo profissional”, considera. A isso, o juiz afirmou que a Lei 13.979 prevê o compartilhamento de dados dos pacientes, com órgãos e entidades da Administração Pública, sendo que o direito de intimidade do paciente fica abaixo da “saúde pública de toda a sociedade”.

A infectologista Clarissa Correia acredita que o ideal é educar os pacientes para que eles entendam o risco e optem por justificar o voto. “Todas as atividade que podem levar a aglomeração podem levar a um risco de transmissão e a eleição é uma delas, então as pessoas que vão votar devem tomar cuidados necessários. Cabe a cada um fazer sua parte”. Opina que, já que as pessoas estão saindo de casa para mercados e outros ambientes públicos, o risco de contaminação durante a eleição acaba sendo o mesmo.

A opinião dos moradores
Quem concorda com o juiz é o morador de Miguel Calmon, Felipe Alves, que afirma que, entre leigos e profissionais de Direito, a decisão deu o que falar em toda a cidade. Felipe é estudante de Direito. “Eu concordo totalmente com o juiz. Contaminação de moléstia grave de acordo com o Código penal brasileiro é crime, a lei eleitoral fala sobre a prisão em flagrante delito ou por sentença criminal condenatória”, afirma.

Outra moradora, que não quis ser identificada, também é a favor da medida. “Essa atitude de ir votar doente, pode comprometer a saúde dos demais que estarão no local de votação. Doente de covid tem que ficar isolado até receber a alta médica”.

O município de Miguel Calmon conta com 21.672 eleitores aptos a votar, 2 candidatos disputando o cargo de Prefeito e 83 concorrendo ao cargo de Vereador. Os dados da Secretaria de Saúde do Município, mostra que, hoje, são 29 casos confirmados de Covid-19. O Tribunal Regional Eleitoral afirmou não ter sobre o que se pronunciar sobre o caso

*Sob supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro

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