Tribunal de Justiça da Bahia tem mais de 350 cargos de juízes vagos

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O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) tem 356 cargos de juízes titulares e substitutos vagos. A vacância não é permitida, de acordo com resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Desde 2014 que a quantidade de juízes no estado só tem caído, segundo o relatório “Justiça em Números 2021”, do CNJ. Há sete anos, eram 652 magistrados em exercício em todo o estado. Em 2020, caiu para 572 – uma redução de 80 profissionais, o que representa uma baixa de 12,2%.

Em abril deste ano, o número de cargos vagos era ainda maior: 456, de acordo com um documento disponibilizado no próprio site da transparência do TJ-BA. De lá para cá, 100 novos juízes substitutos foram nomeados. No entanto, o número ainda não é suficiente para suprir a demanda de trabalho. Outros 94 profissionais, que passaram no último concurso, aguardam convocação. Segundo o tribunal, o processo está dentro do prazo.

O TJ-BA – que não disponibilizou uma fonte para falar sobre o assunto e demorou mais de duas semanas para responder à reportagem – disse que todas as varas têm juízes, titulares ou substitutos. “Todas as unidades do Estado da Bahia, encontram-se atendidas por juízes de direito titulares ou juízes de direito substituto, designados e ainda pela lista anual de substituições. Portanto, todas as unidades têm efetiva prestação jurisdicional”, afirmou o tribunal, em nota.

Ao todo, são 98 varas com juiz substituto designado para ter exercício e 515 com juízes titulares, de acordo com a instituição. O tribunal, no entanto, não confirmou ou explicou porque existem tantos cargos vagos de magistrados na Bahia e quando será possível fazer nova contratação.

Na contramão, a despesa do judiciário baiano saltou de R$ 2,1 bilhões para R$ 3,6 bilhões, de 2009 para 2020. A demanda de processos também aumentou: o total de novos casos quase dobrou, saindo de 596.731 para 1.157.794, nos últimos 12 anos. Isso significa que cada juiz deve dar conta de mais 2.024 processos por ano, ou seja 67 por mês – isso considerando apenas as novas ações.

As pendências seguem a mesma linha: aumentaram de 1.823.180 para 3.498.709, no mesmo período. As três áreas que mais recebem processos são a de Direito Civil (11.840.803), seguido de Direito do Trabalho (7.822.277) e Direito Penal (7.741.288). Por conta disso, a média para um juiz dar uma sentença é de cinco anos e quatro meses no território baiano – mais do que a média dos tribunais brasileiros, que é de cinco anos.

Depressão
Um juiz da Vara da Família de uma cidade da Bahia, que pediu anonimato, relata que chegou a ter depressão e se afastar por quatro meses do trabalho por conta do acúmulo de funções. Ele ficou como titular de quatro varas – três da família e uma da infância e juventude – além de duas outras funções. “Falei para o tribunal que não tinha mais como segurar. Aguentei mais alguns dias, mas comecei a pirar. Deu ‘tilte’. Foi muito pesado”, conta.

Ele é juiz há 19 anos e chegou à Bahia em 2002. Já passou por varas de mais de oito cidades do interior. “Nenhuma tem capacidade para a demanda. Sempre tem menos servidores e juízes do que o previsto na lei. Além de titular, sempre tive que substituir em várias comarcas” comenta.

O magistrado cita a situação de Rio Real, na divisa com Sergipe, onde foi substituto. “Lá era para ser entrância intermediária, pelo fluxo grande de processos. Tinham 85 réus presos e não conseguia fazer mais nada senão audiência. O tribunal pagava quatro diárias por mês, mas eu passava oito dias, de tão pesado que era. E, mesmo assim, não dava conta. Ali era para ter, pelo menos, duas varas”, relata.

Em outras cidades, como em Piatã, na Chapada Diamantina, existiam processos com mais de 6 mil dias (mais de 16 anos) sem movimentação, sendo que o máximo recomendado pelo CNJ é de 90 dias. “Existiam processos com acordo e simples homologação que podiam ter sido sentenciados, mas não foi, por falta de juiz”, diz.

Processos parados
Um dos processos que está parado é o de Jonas Santos (nome fictício a pedido da fonte). Há seis anos ele espera por uma sentença. “Comprei um imóvel de uma construtora que cobrou a taxa de corretagem sem discriminar que estava fazendo aquilo. A empresa vendedora era a própria imobiliária, ou seja, cobrou por dois serviços. Me causou um prejuízo de R$ 30 mil a 40 mil, na época”, conta Jonas, que não quis dar mais detalhes sobre o caso por medo de represália.

“O grande problema não é só a morosidade, mas falta de vontade política do Tribunal de Justiça da Bahia, porque o próprio presidente já disse que tem orçamento, em vídeos do canal do TJ no YouTube. A consequência disso é que meu processo, desde junho do ano passado, está sem qualquer tipo de movimento”, desabafa Jonas.

A advogada Andreza Santana relata que algumas varas, principalmente do interior, são extremamente lentas, mas não por ausência de profissionais, e sim morosidade do juiz e servidores. Ou seja, da sobrecarga. “Tem uma vara de família de uma cidade que é bem lenta, já velha conhecida por ser assim. O juiz demora meses para despachar um processo. Alguns servidores são bem solícitos, mas o juiz é complicado”, narra Andreza.

Uma cliente dela espera dois anos para conseguir a pensão alimentícia. “Tenho uma execução de alimentos nessa vara que se arrasta há dois anos e a minha cliente ainda não recebeu um real. Os valores foram bloqueados da conta do devedor desde o mês de março e, atualmente, estamos aguardando o juiz expedir um ofício ao banco para pedir a liberação. Tem sido bem desgastante e desanimador, até para a cliente, porque está passando necessidade”, diz a advogada.

Um juiz; quatro varas
A presidente da Associação dos Magistrados da Bahia (AMAB), a juíza Nartir Weber, comenta que muitos juízes têm que se desdobrar em três, quatro e até mais comarcas. “Gera uma sobrecarga de trabalho para esses magistrados, que também têm que se deslocar para as outras localidades e atuar em processos das mais diversas áreas, o que requer tempo e estudo. Hoje, a carga média de trabalho do juiz estadual na Bahia é de 9.271 processos em análise por ano, ou seja, é a terceira maior do país, atrás apenas do Rio de Janeiro e São Paulo”, constata Nartir, citando o último levantamento do CNJ.

O déficit de magistrados, em 2020, de primeira entrância, era de 134 magistrados, só no TJ-BA. “O grande número de processos que o Judiciário recebe anualmente, somado ao acervo de anos anteriores, sempre deixará em nós, magistrados, um sentimento de impotência e irresignação. Em 2020, por exemplo, a Justiça estadual baiana recebeu 1.157.794 novos processos, com uma média de 1.776 novos casos para cada magistrado, o que se mostra impossível de dar conta”, afirma a juíza.

A presidente da Amab sugere que as pessoas levem menos processos ao Judiciário e busquem outras soluções. “Quanto mais processos a serem analisados, gera-se um maior tempo para tramitação de cada um deles. É necessário investir cada vez mais modelos alternativos, como a conciliação, mediação, como forma de reduzir a litigiosidade. Temos núcleos de conciliação espalhados pelo Estado e isso tem diminuído os litígios, mas, ainda assim, são muitos processos”, acrescenta.

Nartir Weber lembra que o TJ-BA convou mais 100 juízes no final do ano passado. Metade deles assumiu em 2020 e a outra metade ainda realiza um curso de formação. “Esperamos que esses novos magistrados possam contribuir para minimizar a falta de juízes em muitas comarcas, mas ainda assim não nos será possível atender às demandas no tempo desejado”, conclui. Ainda assim, 352 cargos permaneceriam em vacância.

Audiências virtuais aceleram trabalho
Já para um juiz da Vara de Juizados Especiais de uma cidade do Centro-Sul da Bahia, que não quis se identificar, é possível dar conta do recado na vara principal – mas ele tem um servidor a mais que o previsto. Em outubro, ele recebeu 296 processos novos, arquivou mais de 300, emitiu 695 despachos arquivamos, deu 109 decisões e 318 sentenças. Essa também é a média dos outros meses do ano.

Ele foi juiz substituto em três cidades baianas. A distância delas para a comarca principal era entre 100 e 178 km. Esse deslocamento era feito, basicamente, todos os meses. Em alguns casos de substituição, a passagem pode ser de quatro a cinco dias por mês ou 20 dias no total. Como a atuação é temporária e a demanda é reprimida, fica mais difícil alcançar resultados.

“Na minha vara, conseguimos dar conta e não tenho nenhum processo concluso há mais de 90 dias. O processo mais antigo que tínhamos era de 2019, mas já julgamos em 21 de outubro deste ano. Nas varas de substituição, não é que a gente dá conta do trabalho, porque não dá, mas dentro das condições de temperatura a pressão, a gente consegue dar uma resposta, só que é impossível manter esse ritmo”, constata o juiz.

Com os processos virtuais, ele alega que esse malabarismo ficou mais fácil. “O que facilitou muito foram as audiências virtuais, porque posso trabalhar de qualquer lugar, além de organizar, planejar e garantir uma prestação razoável, principalmente na comarca principal”, conclui.

O Conselho Nacional de Justiça e o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado da Bahia (Sinpojud) foram procurados, mas não enviaram resposta.

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