Artigo do leitor: “Não adianta apontar os fatos, é necessário prová-los”

beatriz-696x415Beatriz Angélica Mota (Foto: Reprodução)

Neste artigo, o perito criminal da Polícia Científica de Pernambuco, Ivan Câmara de Andrade, comenta o desfecho do Caso Beatriz, destacando o importante papel desses profissionais durante toda a condução do caso. Ele também destaca que o trabalho foi feito de forma minuciosa e critica os “desinformados”, que não têm formação técnica para avaliar a função dos peritos, e chegaram a colocar dúvidas sobre a conclusão oficial do crime.

Confiram:

Nós, os denominados “peritos”, somos isso: “A Ciência a serviço da Justiça”. Nada mais. A Ciência, no entanto, como qualquer outro conhecimento alcançado pelo homem, em sua eterna evolução civilizatória, tem data de validade, pois todo saber é datado. A ciência, portanto, é renovada e atualizada a cada descoberta. Destarte, desde as descobertas dos primórdios da humanidade, evoluímos. É dizer: “Sem perícia o locus do crime permanece mudo.” 

Nesse diapasão, merecem os meus parabéns todos os envolvidos na completude dos procedimentos periciais, desde a perícia no local do horrendo delito, cujos profissionais que tão bem souberam coletar as provas, em silêncio, perpassando pela preservação e custódia destas provas (sob a denominada cadeia de custódia)  até os seus procedimentos protocolares junto ao IGFEC (Instituto de Genética Forense Eduardo Campos) em Recife, que nada mais é do que um gigantesco banco de dados genéticos à serviço da sociedade pernambucana e brasileira, para, naquele âmbito, levantar o perfil genético do DNA do criminoso.

A condução à Capital pernambucana, do material probatório coletado, foi realizada seguindo todo o procedimento padrão, à luz dos princípios que regem a Administração Pública (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade (respeitado o sigilo próprio do procedimento), Eficiência e razoabilidade, sendo inclusive, conduzida até ao Recife, por um perito criminal, funcionário do Estado de Pernambuco, para que tudo fosse preservado e jamais contaminado. O tempo – Ele – Senhor de Tudo de e Todos, passou, mas a angústia permanecia incólume, na busca pela verdade possível.

Durante todo o processo investigatório, sob a pressão de cobranças que sempre devem existir, porque trabalhamos em prol da mesma sociedade da qual fazemos parte, a Polícia Civil de Pernambuco apresentou 124 (cento e vinte e quatro) suspeitos e a Polícia Científica afirmou, com veemência e certeza, sem medo de errar, sem titubear, que absolutamente todos os 124 cidadãos investigados e suspeitos são inocentes, pois, com base na ciência, os perfis de  DNA de todos esses suspeitos, eram incompatíveis com o material padrão coletado no local do crime. Os leigos e principiantes estão, hodiernamente, a entupir as redes sociais com opiniões “populares” as mais diversas possíveis, acerca da elucidação deste horrendo delito que atingiu uma indefesa infante. Ao ponto, inclusive, de duvidarem do ofício pericial.

Tais desinformados (e não são poucos), sem formação técnica alguma para entender a causa das coisas, são atraídos pela curiosidade e alcançam as mais diversas, absurdas e hilárias deduções. Ora, a literatura, os folhetins e as “redes” estão abarrotadas de fontes, as mais diversas, mas é que há muitas possibilidades na mente de um principiante.

O filósofo italiano Umberto Eco já dizia: “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis, que antes falavam apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade, mas hoje têm o mesmo espaço de Prêmios Nobel. Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel. A TV já havia colocado o “idiota da aldeia” em um patamar no qual ele se sentia superior. O drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.

Ela, a verdade, muitas vezes, se apresenta oriunda do trabalho pericial, daquela que não diz o que quer, mas tem que provar o que diz, por dever de ofício. O jurista brasileiro Salah Hassan Khaled Jr., na paradigmática obra “A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial – São Paulo, Atlas, 2013, p. 589, assevera: “A partir do investimento inicial de sentido que propusemos, encaminhamos a noção de rastros da passeidade, entendidos como conectores cognitivos que permitem em alguma medida um conhecimento pertinente, ainda que insuficiente sobre o passado (…) Os rastros caracterizam uma espécie de referência indireta e conformam os limites e as condições de possibilidades de conhecimento sobre o evento que pertence a um tempo escoado, exprimindo simultaneamente presença e ausência.

No rastro está contido o enigma, o paradoxo da passeidade: o passado já se foi e nada pode fazer com que ele retorne ou deixe de ter sido; mas, por outro lado, de certa forma o passado ainda é, caso esteja conservado na forma de rastros que a ele remetem e que permitam construir relações de significância substitutiva, de lugar-tenência”. A outros rastros o exame de comparação de materiais genéticos, deve somar-se na busca pela verdade no caso paradigmático ora em cotejo. Parabéns aos que diuturnamente fazem a Polícia Científica do Estado de Pernambuco, instituição da qual tenho imenso orgulho de pertencer.

Ivan Câmara de Andrade/Engenheiro Químico graduado pela UFPE, Perito Criminal da Policia Científica de Pernambuco e ex-gestor da Unidade Regional de Polícia Científica do Sertão do São Francisco (URPOCSSF)

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Carlos Britto