Codevasf fez licitação sem justificativa e direcionada para desovar emendas, diz jornal
A estatal federal Codevasf lançou em 2020 uma licitação para a compra de centenas de milhares de tubos de PVC voltada a desovar emendas parlamentares, sem demonstrar a necessidade das aquisições, sem planejamento e superfaturada, conforme relatório da CGU (Controladoria-Geral da União).
Apesar de o órgão ter apontado as irregularidades antes da concorrência pública, por duas vezes, e ter recomendado a sua suspensão, a Codevasf seguiu em frente e já gastou mais de R$ 2 milhões com o contrato.
O processo de licitação ilustra como o descontrole administrativo e a atuação a reboque dos padrinhos das emendas parlamentares no governo Jair Bolsonaro (PL) abre brechas para irregularidades até mesmo nas compras mais básicas da estatal, que tem como vocação histórica a promoção de projetos de irrigação no semiárido.
Foi a própria Codevasf que fez uma radiografia da atual estrutura de uso do dinheiro público, em comunicação à CGU.
“Esses recursos [de emendas] são descentralizados à Codevasf a partir de articulações político-institucionais, as quais não estão vinculadas estritamente a um cronograma preestabelecido, o que de fato dificulta e/ou inviabiliza um planejamento preciso do dimensionamento da demanda a ser adquirida.”
“Os parlamentares, por meio de interações com lideranças e seus assessores, efetuam o levantamento de necessidades para balizar as aquisições e/ou contratações”, admite a empresa pública.
Em nota, afirmou que “atua em permanente cooperação com órgãos de fiscalização e controle”.
A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) é uma estatal entregue pelo presidente Bolsonaro ao controle do centrão em troca de apoio político.
Turbinada por bilhões de reais em emendas parlamentares no atual governo, o órgão se transformou principalmente em uma entregadora de obras de pavimentação e máquinas até em regiões metropolitanas –em vários casos, há indícios de irregularidades nos processos, como o jornal Folha de S.Paulo vem mostrando.
Na última quarta (20), a Polícia Federal cumpriu 16 mandados de prisão em operação contra fraudes na empresa, com apreensão de cerca de R$ 1,3 milhão em dinheiro, além de itens luxuosos, como relógios importados.
A compra de tubos de PVC de 2020 avaliada pela CGU tinha como objetivo atender, em tese, à demanda primária da companhia, relacionada à irrigação, no estado da Bahia.
O processo para a aquisição, feito pela 2ª Superintendência da Codevasf, com sede em Bom Jesus da Lapa (BA), não contou com qualquer planejamento ou estudos sobre como seriam usados os canos.
A própria estatal citou à CGU a necessidade de compra dos equipamentos devido às emendas parlamentares destinadas à empresa por deputados e senadores.
Para o órgão de controle, porém, “a Codevasf não deve se limitar a adquirir e repassar bens e suprimentos de forma automática, não deve se limitar a fazer compras, mas projetos, planejados e estruturados”.
No fim do ano passado, a Folha de S.Paulo mostrou que a Codevasf em Pernambuco mantinha em estoque centenas de tubos de PVC que apresentavam sinais de deterioração pelo tempo, além de dezenas de cisternas, caixas-d’água, tratores, implementos agrícolas e tubos de irrigação comprados com recursos de emendas parlamentares.
No caso da compra desse mesmo tipo de produto na Bahia em 2020, de acordo com a GCU, inicialmente a empresa fez uma concorrência para aquisição de 458 mil unidades, no valor de R$ 26 milhões, por meio de uma forma de licitação simplificada e online, chamada pregão eletrônico.
O processo era cheio de irregularidades, com potencial de R$ 16 milhões em superfaturamento e acabou suspenso após recomendação da controladoria.
Posteriormente, a estatal reduziu em mais de um terço a quantidade a ser comprada (o total caiu para 294 mil unidades) e anunciou outro pregão eletrônico avaliado em R$ 11 milhões, mas que, segundo a CGU, ainda trazia irregularidades.
“Nessa oportunidade, apesar de ser tempestivamente alertada quanto às deficiências expostas, a empresa decidiu prosseguir com o certame. Agindo assim, mesmo diante das falhas existentes, a empresa se expôs aos riscos inerentes à compra”, diz o relatório da controladoria.
Entre os problemas verificados, estão o processo de pesquisa de preços e o modo como foi feita a quantificação dos produtos.
A insistência na compra trouxe impacto potencial de R$ 3,4 milhões em prejuízos aos cofres públicos, avaliou a CGU. O aumento em relação aos mesmos produtos comprados por meio de contrato então vigente chegou a uma média de 92%, segundo a apuração.
Na época da auditoria frisou-se que ainda era preciso verificar o que de fato seria comprado. Questionada, a Codevasf afirmou que até agora houve o pagamento de R$ 2,1 milhões.
Outro problema encontrado na licitação foi a compra no varejo de produtos que sairiam mais baratos no atacado.
Há recomendação que se compre parte dos produtos de pequenas e médias empresas devido aos benefícios econômicos disso, mas neste caso a Codevasf utilizou o teto de 25% nesse direcionamento, afetando também os preços.
Ao fim da licitação, as vencedoras da concorrência, dividida por lotes de acordo com o tamanho, foram as empresas Distribuidora Ensorga, Nova Conexão Comércio de Materiais de Construção, Polyvin Plásticos e Derivados e Unocann Tubos e Conexões.
OUTRO LADO-Questionada pela CGU, a Codevasf atribuiu os valores mais altos às condições causadas pela pandemia, argumento que, para o órgão fiscalizador, é insuficiente para justificar toda a alta.
À reportagem a Codevasf afirmou que “atua em permanente cooperação com órgãos de fiscalização e controle”.
“A Companhia avaliará com atenção as recomendações da CGU. Apontamentos de relatórios do órgão são observados pela empresa para controle e contínuo aperfeiçoamento de procedimentos”, disse, em nota.
O comunicado da empresa ainda diz que as compras servem ao interesse social e ocorrem “no contexto de projetos e ações de desenvolvimento regional”.
Além disso, o texto afirma que a companhia realiza avaliações técnicas, socioeconômicas e legais relacionadas à destinação de bens a esses projetos.
A reportagem é de Artur Rodrigues e Flávio Ferreira | Folhapress
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Folha Press Artur Rodrigues e Flávio Ferreira Foto Ilustrativa