Pelo menos 22 medicamentos de tratamento contínuo estão em falta na Bahia
Pacientes que fazem uso de medicação para diabetes, epilepsia e mal de Alzheimer podem ter tratamentos interrompidos
(Pixabay)
Pelo menos 22 medicamentos que seriam disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) à população estão em falta em unidades médicas da Bahia. Outros 10 estão com estoque crítico, segundo informações do Conselho Estadual de Saúde (CES-BA). Os remédios fazem parte da rede especializada porque possuem custo elevado e dificilmente são encontrados em farmácias comuns. Pacientes que passam por tratamentos contínuos de doenças como diabetes, epilepsia e Alzheimer precisam dessas substâncias.
Desde o início do ano passado, o Conselho de Saúde, órgão responsável pela fiscalização e deliberação do SUS, tem notificado o Ministério da Saúde (MS) sobre os atrasos e irregularidades na entrega de medicamentos à assistência farmacêutica. Segundo o presidente do conselho, Marcos Sampaio, as irregularidades ocorrem quando o MS não envia o total de medicações previsto, o que atrapalha a distribuição para os municípios baianos.
Ainda segundo ele, se as pessoas que precisam retirar esses medicamentos pelo SUS na capital e interior para seus tratamentos contínuos não conseguirem os remédios, as consequências podem até ser fatais.
“Os impactos da falta de medicamentos podem ser a interrupção dos tratamentos e o agravo da doença, que pode até levar ao óbito”, afirma.
Entre as substâncias em falta no estado estão a ampola de alfaepoetina de 10 mil UI, utilizado no tratamento da anemia associada à insuficiência renal crônica. O medicamento é essencial para pacientes que fazem diálise. Os frascos de 4 mil UI e 2 mil Ui estão em estoque crítico, o que também preocupa o presidente da Associação dos Pacientes Crônicos Renais e Transplantados da Bahia, José Vasconcellos.
“Esse é um medicamento que não pode faltar para pacientes em hemodiálise. Hoje temos no estoque o de 2 mil unidades, mas existem pacientes que tomam o de 10 mil. A alfaepoetina serve para garantir a hemoglobina, para que os pacientes não venham a óbito”, explica José Vasconcellos.
Outro fármaco em falta é o raltegravir 100 mg, utilizado no tratamento da infecção por HIV. Ele não é encontrado em farmácias comuns.
Segundo a Secretararia de Saúde do Estado (Sesab), as irregularidades no abastecimento dos estoques são frequentes e estão sendo notificadas tanto ao MS, como ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Ainda de acordo com a pasta, a Bahia vem remanejando o estoque para tentar assegurar a assistência.
Dificuldades
A situação é mais complexa para quem possui dificuldades em arcar com os custos de comprar os medicamentos. “Muitas pessoas que não têm condições de buscar alternativas, como pagar ou conseguir medicamentos similares mais baratos”, diz Marcos Sampaio. Esse é o caso de Jussiana Pereira, 44, que foi diagnosticada há um ano com fibromialgia. A síndrome afeta a musculatura do corpo e causa muita dor.
No caso de Jussiana, a doença impede que ela possa trabalhar e é responsável por outras lesões, como hérnias e bursite. Durante três meses ela tentou retirar a medicação pregabalina 75 mg, mas todas as vezes em que foi em unidades de saúde em Lauro de Freitas, onde mora, recebeu a informação de que o remédio estava em falta.
“É uma humilhação porque quem tem fibromialgia já está lutando pela vida. Estou impossibilitada de trabalhar e ainda ficar impossibilidade de tomar a medicação é muito difícil”, desabafa. Apesar do relato sobre a falta do medicamento, a pregabalina não consta na lista de remédios em falta disponibilizada pelo Conselho de Saúde (confira na íntegra abaixo).
Jussiana também conta que enfrenta dificuldades para retirar medicamentos mais comuns, como dipirona, através do SUS. Em setembro deste ano, o CORREIO publicou uma reportagem em que denunciou a falta de 33 itens básicos, como dipirona e insulina, em hospitais e farmácias da Bahia.
O advogado especializado em Direito do Consumidor Pedro Falcão explica que caso o paciente não consiga acesso a medicamentos pelo SUS é possível entrar com ação judicial que providencie a aquisição e custeio do remédio. O ideal é que o paciente ou familiares busquem um advogado ou a Defensoria Pública para que cada caso seja avaliado individualmente.
“Embora possa se alegar que não o possuem em estoque, se há disponibilidade no mercado para aquisição, o poder público pode ser coagido a custear”, diz Pedro Falcão.
Maria das Graças Costa, de 66 anos, precisa tomar medicamentos diários para o controle da diabetes e hipertensão. Segundo ela, há cerca de quatro meses tem sido mais difícil encontrar insulina nos postos de saúde de Lauro de Freitas.
“A gente acaba tendo que pagar porque agora a falta está demais. Antes não faltava assim, mas há uns três ou quatro meses a situação tem ficado pior”, conta.
Procurado, o Ministério da Saúde não se posicionou sobre os atrasos e irregularidades na entrega de medicamentos. Já o Conass informou que tem trabalhado junto à pasta para achar soluções que minimizem os impactos de entregas irregulares.
O MPF não respondeu aos questionamentos da reportagem e a. A Secretaria de Saúde de Lauro de Freitas não respondeu sobre o desabastecimento.
Cortes no orçamento da Saúde podem piorar o cenário de escassez
Consultorias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal alertaram para o menor valor de verba destinada à área da Saúde nos últimos 10 anos para 2023, na última semana de setembro. Estão previstos R$146,4 bilhões no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), o que representa uma diminuição de R$57 bilhões do orçamento de 2021.
Para o presidente do Conselho de Saúde do Estado da Bahia, o corte orçamentário é um risco para a assistência farmacêutica.
“A saúde não aguenta mais retrocesso. Os cortes que estão previstos para o orçamento de 2023 são o caminho para mais mortes e tragédias”, diz Marcos Sampaio.
José Vasconcellos, que representa os pacientes com doenças crônicas renais e transplantados no estado, também demonstra preocupação com a diminuição de verbas. “A situação não é grave apenas para uma patologia. Diante dos cortes do governo federal para a Saúde, ficamos desamparados em relação aos medicamentos que temos que tomar diariamente”, afirma.
Medicamentos em falta na Bahia
- Desmopressina 0,1 mg
- Alfataliglicerase 200 UI
- Sildenafila 50 mg
- Rivastigmina 1,5 mg e 6 mg
- Galantamina 16 mg, 8 mg e 24 mg
- Alfaepoetina 10.000 UI
- Clozapina 25 mg
- Levetiracetam 750 mg e 250 mg
- Donepezila 10mg
- Olanzapina 10 mg
- Toxina Butulínica 100 UI e 500 UI
- Betainterferona 1b 300 mcg
- Azitromicina 40 mg e 500 mg
- Lamivudina 150 mg
- Raltegravir 100 mg
- Praziquantel 600 mg
Medicamentos que estão com estoque crítico na Bahia
- Deferasirox 500 mg
- Quetiapina 100 mg e 200 mg
- Cinacalcete 30 mg
- Abatacepte 125 mg
- Rivastigmina 3 mg
- Alfaepoetina 2.000 UI e 4.000 UI
- Tocilizumabe 20 mg
- Certoliuzumabe 200 mg
*Com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo.
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