Vinhos do Vale do São Francisco conquistam indicação geográfica; entenda o que significa

Produtores de 5 municípios baianos vão poder requerer selo da Indicação de Procedência (IP) 

csm_vinho_a537f98284(Divulgação)

O dia 1º de novembro será reconhecido como um dia histórico para a vitivinicultura mundial. Os produtores de vinhos finos, nobres, espumantes naturais e moscatéis espumantes elaborados em 5 municípios do Vale do Submédio São Francisco já poderão requerer, a partir de 2023, o selo da Indicação de Procedência (IP) Vale do São Francisco.

A concessão da IP, protocolada em 2020 pelo Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf), foi publicada nesta terça-feira (1º) na Revista de Propriedade Industrial (RPI) nº 2704 do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A entidade reconheceu as particularidades da região, que é a primeira demarcação geográfica do mundo com vitivinicultura tropical, onde pode ocorrer mais de um ciclo vegetativo da videira por ano, com pelo menos uma safra anual.

No Vale, isso é possível graças ao clima tropical semiárido, com temperaturas elevadas que viabilizam a produção de uvas e vinhos de janeiro a dezembro, com duas podas e duas safras anuais; e possibilidades de colheitas escalonadas ao longo do ano nas diferentes parcelas de vinhedos.

A IP Vale do São Francisco também é a primeira indicação geográfica de vinhos no Brasil a compreender municípios em dois estados: Lagoa Grande, Petrolina e Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco; e Casa Nova e Curaçá, na Bahia.

Todas as vinícolas associadas ao Vinhovasf poderão submeter seus produtos a partir do próximo ano. São elas: Vinícola do Vale do São Francisco (Botticelli), Vitivinícola Santa Maria (Rio Sol/Global Wines), Terroir do São Francisco (Garziera), Tropical (Fazenda Milano), Mandacaru Vinhas e Vinhos, Quintas do São Braz (São Braz), e Adega Bianchetti Tedesco em Pernambuco; e Vinícola Terranova (Miolo) e Vinum Sancti Benedictus (VSB) na Bahia.

Os detalhes da IP Vale do São Francisco 
Os vinhos da região apresentam características interessantes: são brancos leves de aromas florais e de frutas tropicais, além de tintos leves e jovens ou até mais encorpados e aptos ao envelhecimento, com aromas de frutas vermelhas ou negras maduras. Os espumantes, por sua vez, são na maioria jovens, secos ou demi-sec, além do espumante moscatel.

Porém nem toda a produção do Vale do São Francisco poderá ostentar o selo da IP. O caderno de especificações técnicas da indicação, baseado em requisitos equivalentes aos da União Europeia, regulamenta a produção da uva na área, tipos de vinhos, tipos de uvas, produtividade, padrões enológicos, elaboração na região, qualidade analítica e sensorial diferencial para os vinhos. “Este é mais um dos grandes diferenciais desta IP”, segundo o pesquisador da Embrapa Jorge Tonietto.

Somente os vinhos finos, nobres, espumantes naturais e moscatéis espumantes produzidos, engarrafados e envelhecidos 100% na área geográfica delimitada da demarcação, que tem 25.138 km², poderão requerer o selo.

As variedades permitidas são: as brancas Arinto, Chardonnay, Chenin Blanc, Fernão Pires, Moscato Canelli, Moscato Itália, Sauvignon Blanc, Verdejo e Viognier; e as tintas Alicante Bouschet, Aragonês, Barbera, Cabernet Sauvignon, Egiodola, Grenache, Malbec, Merlot, Petit Verdot, Ruby Cabernet, Syrah, Tannat, Tempranillo e Touriga Nacional. Uvas de mesa e híbridas não foram incluídas, portanto os vinhos de mesa ficarão de fora da IP.

Além disso, o padrão das bebidas será atestado por um Conselho Regulador, composto por produtores e especialistas. Eles garantirão o cumprimento das regras através de análises técnicas e sessões de avaliação sensorial às cegas.

O impacto da IP Vale do São Francisco 
“Este é um momento histórico e muito esperado pelos vitivinicultores da região, em especial aqueles estabelecidos no Vale do Submédio São Francisco”, destaca o presidente do Vinhovasf e da Valexport (Associação dos produtores e exportadores de hortigranjeiros e derivados do Vale do São Francisco, José Gualberto de Freitas Almeida. Para ele é a concretização de um sonho. Desde o reconhecimento da Indicação do Vale dos Vinhedos, em 2002, ele queria fazer o mesmo no Vale do São Francisco.

O projeto esteve ancorado numa forte parceria entre o Vinhovasf e a Embrapa Semiárido e a Embrapa Uva e Vinho. Para Maria Auxiliadora Coêlho de Lima, chefe-geral da Embrapa Semiárido, a indicação geográfica “traz oportunidades de atingir novos espaços de mercado e valoriza o trabalho dos vários segmentos, instituições e setores que assumiram o compromisso desafiador de viabilizar a vitivinicultura no Semiárido brasileiro”, avalia a gestora.

Esse trabalho foi liderado pelo pesquisador Giuliano Elias Pereira, da Embrapa Uva e Vinho, entre 2013 e 2018. Seu projeto de pesquisa envolveu mais de 40 pessoas de várias instituições, entre pesquisadores, professores, técnicos e estudantes, para entender a vitivinicultura do Semiárido nordestino e aprimorar a qualidade dos vinhos da região. “Juntos trabalhamos desde a caracterização do Vale do São Francisco e de seus produtos, fatores fundamentais  para a estruturação da Indicação”, destaca.

Entre esses profissionais e instituições, estão  a pesquisadora aposentada da Universidade de Caxias do Sul, Ivanira Falcade, responsável pela delimitação da área; o pesquisador da área de enologia da Embrapa Uva e Vinho, Mauro Zanus; e Francisco Macedo de Amorim, professor de Enologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IF Sertão-PE).

As Indicações Geográficas de vinho do Brasil 
Com esta concessão, o Brasil passa a ter 11 indicações geográficas específicas para o vinho; sendo nove para vinhos finos, duas para vinhos de uvas híbridas e de mesa; totalizando dez Indicações de Procedência e uma Denominação de Origem (DO). Enquanto a IP é abrangente, atestando características geológicas, fisiográficos e/ou humanas, a DO vai além e prova ainda qualidade, estilo e sabor.

A primeira IP foi concedida em 2002 ao Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul; e essa mesma região conquistou, em 2012, uma Denominação de Origem (DO). Foi, também, a primeira DO brasileira.

Para utilizarem este selo, as vinícolas localizadas na DO Vale dos Vinhedos (DOVV) — uma área de 72,45 km² nos municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul — atendem a rigorosas especificações. Entre elas, o uso obrigatório de determinadas uvas, como Chardonnay para brancos e Merlot para tintos; envelhecimento mandatório em carvalho para os vinhos tranquilos, entre outras orientações.

As demais IPs são: 

  1. IP Vale dos Vinhedos (Aprovale/RS): Tem mais uvas que a DO Vale dos Vinhedos. Foi retomada em 2019.
  1. IP Farroupilha (Afavin/RS), com foco em vinhos finos elaborados com uvas da família Moscato (moscatel espumante, vinho fino tranquilo, frisante, licoroso, mistela e brandy;
  1. IP Monte Belo (Aprobelo/RS), que certifica determina dos espumantes finos, espumantes moscatéis, vinhos finos tranquilos e secos brancos e tintos;
  1. IP Altos Montes (Apromontes/RS), demarcação com vinhedos acima de 850 metros de altitude, tem como produtos os espumantes finos brancos e rosados, o espumante moscatel e os vinhos finos tranquilos brancos, rosados e tintos secos;
  1. IP Pinto Bandeira (Asprovinho/RS), região com clima ameno e ciclos longos de maturação nas videiras, produz espumantes finos, espumantes moscatéis, vinhos finos tranquilos brancos, rosados e tintos secos;
  1. IP Campanha Gaúcha (Vinhos da Campanha Gaúcha), delimitação localizada no bioma Pampa e que tem como produtos os vinhos finos tranquilos brancos, rosados e tintos e os espumantes naturais;
  1. IP Vinhos de Altitude de Santa Catarina (Associação Vinhos de Altitude), que reúne vinhos finos tranquilos, nobres, licorosos, espumantes naturais, moscatéis e brandies elaborados em 29 municípios da serra catarinense;
  1. IP Vinhos de Bituruna (Apruvibi/PR), que abarca todos os vinhos de mesa elaborados com as  variedades Bordô e Martha/Casca Dura; 100% cultivadas no município de Bituruna, no Paraná;
  1. IP Vales da Uva Goethe (Progoethe/SC), a primeira IP de Santa Catarina certifica vinhos brancos, vinho leves brancos (seco, suave ou demi-sec), o espumante (brut ou demi-sec) e o vinho licoroso elaborado com a uva híbrida Goethe, tradicionalmente cultivada na região desde o início do século XX;