Saúde Alimentar: aumenta taxa de crianças abaixo ou acima do peso no Brasil
Nos últimos três anos, cresceu o número de famílias passando fome no Brasil, assim como aumentou a população com sobrepeso e obesidade. Apesar de contraditórios, esses dois cenários têm uma causa em comum, que é a falta de políticas de acesso à alimentação e a crise provocada pela pandemia da Covid.
Isso refletiu também nas crianças: subiu o número de crianças abaixo do peso considerado normal e aumentou a proporção da população pediátrica com sobrepeso ou obesidade nos últimos quatro anos.
Em 2018, 4,2% das crianças de 2 a 5 anos tinham peso abaixo do normal (que inclui magreza e magreza acentuada), enquanto 5,22% estavam com obesidade. Em 2022, essas taxas passaram para 4,36% e 5,34%, respectivamente. Em relação ao peso normal (eutrófico), a proporção foi de 64,55%, em 2018, para 65,33%, em 2022.
Já em relação às crianças de 5 a 10 anos, 4,08% das crianças estavam abaixo do peso, em 2018, contra 3,69%, em 2022. Também diminuiu a proporção de crianças eutróficas, de 65,49% para 63,23%.
Por outro lado, em 2018 a proporção de crianças com obesidade e obesidade grave eram de 8,9% e 4,99%, passando para 10,15% e 6,03%, respectivamente, em 2022. Em números absolutos, são quase 500 mil crianças nesta faixa etária com obesidade no país, das quais 330 mil têm obesidade grave.
Os dados são da plataforma Sisvan (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional) do Ministério da Saúde. Os números trazem um alerta para os problemas relacionados à saúde e nutrição infantil, segundo especialistas.
“A desnutrição na infância pode afetar o crescimento quando ela for prolongada, mas isso não significa que a criança com sobrepeso também não sofre consequências. Você pode ter uma criança com excesso de peso e falta de nutrientes”, explica o coordenador de endocrinologia pediátrica do Sabará Hospital Infantil, Matheus Alvares.
De acordo com ele, já é visível o aumento de crianças e adolescentes com complicações metabólicas por conta do sobrepeso. “E isso vai causar na vida adulta outros problemas.”
Assim como o acesso à saúde e à educação, o direito à alimentação também passa por um cenário desigual no país, explica Janine Coutinho, coordenadora do Programa de Alimentação Saudável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
Para ela, o sobrepeso está relacionado ao aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e processados no ambiente escolar e familiar, que carecem dos nutrientes necessários para o crescimento adequado das crianças. “São dois desfechos de um mesmo determinante que é o acesso e a forma como aquela família se alimenta.”
Dados do Enani (Estudo Nacional da Alimentação e Nutrição Infantil) de 2019 mostram que o consumo de ultraprocessados entre crianças menores de cinco anos foi de 93% no país, enquanto o de frutas e verduras foi de 27,4%. O relatório mais recente, de 2022, ainda não foi divulgado.
A reportagem solicitou informações sobre as políticas públicas voltadas à saúde e nutrição infantil ao governo federal.
Em nota, o MEC (Ministério da Educação) disse que o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) é considerado um eixo das políticas públicas destinadas à segurança alimentar e que o repasse federal previsto em 2023 é de R$ 5,5 bilhões (ante R$ 4 bilhões em 2022).
Afirmou também que o preparo das refeições escolares segue o Guia Alimentar Brasileiro: é vedado, por exemplo, o fornecimento de ultraprocessados, açúcar e adição de adoçante para menores de três anos. Também é proibida a oferta de gorduras trans industrializadas em todos os cardápios, disse a pasta.
O MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) afirmou que foi recriado com o objetivo de fortalecer a produção familiar de alimentos saudáveis e, embora a “legislação vigente estabeleça, no mínimo, 30%, trabalha para que a aquisição de produtos da agricultura familiar alcance 100%”.
Existem 2,7 milhões de agricultores familiares cadastrados, segundo a pasta, e, além das ações com o MEC, o órgão promove ações de melhora da logística e espaços para oferta de produtos da agricultura familiar, como hortas urbanas e quintais produtivos.
O Ministério da Saúde não respondeu até a publicação deste texto.
**PREÇO DOS ALIMENTOS LEVA AO CONSUMO DE ULTRAPROCESSADOS**
Com o aumento do número de famílias com índice de pobreza extrema e passando fome, o consumo de alimentos in natura caiu. E, quando há a possibilidade de comer algo, são os salgadinhos e alimentos como macarrão instantâneo que são os mais acessíveis, afirma a pesquisadora do Idec.
“Não dá para falar da fome sem falar da questão social, e isso piorou muito no país. Nós tínhamos uma certa proteção no preço dos alimentos básicos [projetada] até 2026, mas a pandemia antecipou isso, e o aumento foi proporcionalmente maior nos alimentos da cesta básica, como arroz, feijão e carne”, observa.
A dificuldade no acesso ao alimento torna, muitas vezes, a merenda escolar a única refeição diária de parcela significativa das crianças, mas mesmo esta sofreu nos últimos anos pela falta de políticas públicas, como o reajuste do valor repassado pelo governo federal, que ficou paralisado por cinco anos. Neste ano, Lula (PT) anunciou o reajuste de 39% do repasse para merenda escolar.
Há ainda uma legislação que estabelece um percentual mínimo de 30% para aquisição de produtos provenientes da agricultura familiar na merenda escolar, mas essa taxa muitas vezes não é alcançada onde há falta de fiscalização ou onde a logística para entrega dos produtos é dificultada.
Coutinho lembra que mesmo políticas de proibição da venda de ultraprocessados nas escolas não garantem totalmente a proteção das crianças, pois no entorno os produtos são comercializados livremente. “[Essa proteção] passa também por políticas de educação e legislação. Hoje, produtos orgânicos ou de agricultura familiar são até cinco vezes mais tributados do que os alimentos industrializados.”
**PROJETO EM SERGIPE**
Um projeto do IPTI (Instituto de Pesquisas em Tecnologia e Inovação) iniciado no último ano em escolas do município sergipano de Santa Luzia do Itanhy, a cerca de 77 km de Aracaju, auxilia a conexão de merendeiras e produtores familiares.
Batizado de Nham (acrônimo para Nutrition for a Healthy and Appetizing Meal), o aplicativo se conecta a outro sistema também criado pelo instituto, chamado TAG, que tem informações de altura, peso, histórico de saúde e outros dados relevantes dos alunos na escola.
As merendeiras usam os dados das crianças que estão na escola naquele dia e se elas têm necessidades especiais na dieta para elaboração do cardápio.
“A partir daí, elas fazem as escolhas de acordo com as necessidades do dia pedem diretamente aos agricultores dos produtos”, explica Saulo Barretto, um dos membros do conselho do IPTI e que coordenou este projeto. “A próxima etapa é a implementação de cursos de formação ofertados pelas próprias merendeiras em outras escolas.”
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Ana Bottallo | Folhapress