Médicos não cumprem toda a carga horária e ainda fraudam a escala de plantões no SAMU

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O Fantástico deste domingo (27) destaca uma investigação jornalística que mostra um escândalo na saúde pública. Uma denúncia contra a central do SAMU, que funciona em Porto Alegre e que atende a chamados de mais de 200 municípios do Rio Grande do Sul. Médicos chegam atrasados, não cumprem toda a carga horária e trabalham menos do que deveriam,

A investigação do repórter Giovani Grizotti aponta que, em média, de cada 100 horas que os médicos reguladores deveriam trabalhar presencialmente, 60 não eram cumpridas: recebiam as 60 horas sem prestar nenhum atendimento. E há indícios de que a direção da central de regulação abonava as faltas irregularmente, alegando “problemas na marcação pelo relógio de ponto.”

Toda vez que alguém liga para o 192 é atendido inicialmente por um telefonista. Depois, a pessoa aguarda um médico prosseguir no atendimento. É o chamado médico regulador, que aciona o serviço de socorro da cidade ou da região onde o paciente mora. Esse médico também indica o hospital para onde a pessoa deve ser levada.

São em média 70 mil ligações por dia, 70 mil pedidos de socorro. Entre o início da ligação e a chegada da ambulância, se passam em média mais de 40 minutos – um grande prejuízo para a população.

AS IRREGULARIDADES: O repórter Giovani Grizotti consegue entrar na sala da central telefônica do SAMU porque se passa por um socorrista interessado em conhecer a estrutura da sala de atendimento. E lá conhece Cleiton Felix, que era enfermeiro até então – trabalhou por 13 anos no local. E foi o enfermeiro que destacou as irregularidades que estão acontecendo.

“Depois que escurece, das 19 horas em diante, existe um revezamento. Escala da escala. É uma escala pactuada entre os profissionais que se ajustam para fazer um plantão mais curto”, relata Cleiton.

Um ex-operador de rádio também confirma a situação. Segundo eles, com menos médicos reguladores nos plantões, o resultado é um grande prejuízo pra população: “Aquele número de profissionais se revezando acaba não dando conta de fazer um atendimento adequado”, completa Cleiton.

Com uma câmera escondida, o Fantástico flagrou a irregularidade durante três madrugadas. Os médicos reguladores deveriam trabalhar presencialmente durante 12 horas, das 19h às 7h. Mas eles não respeitam o horário de entrada, nem o horário de saída.

O médico chega na central do Samu perto da meia-noite. Ele está cinco horas atrasado, fica no local por quatro horas e vai embora.
Segundo os relatórios internos da central, aos quais o Fantástico teve acesso, confirmam o horário de entrada e saída: o médico atendeu ao primeiro chamado às 23h59, e o último às 3h57.

Fabiane Andrade Vargas-A médica chega por volta de meia-noite ao local. E sai às 4h – só trabalhou quatro horas de uma jornada de 12 horas.
Os relatórios de atendimento confirmam que a médica começou a atender às 23h56, e terminou às 4h05.

Até então, médicos reguladores trabalhavam menos do que deveriam, mas sempre tinha pelo menos um deles atendendo a população. Mas houve uma situação mais surpreendente: no dia 6 de junho, às 6h30, não havia nenhum médico atendendo na central – certo, pela escala, era ter 7 médicos.

Nesse dia, 6 de junho, o então enfermeiro Cleiton Felix estava de plantão e afirma que durante toda a madrugada, de um total de sete médicos, só apareceu para trabalhar a doutora Giordana Vargas Correia. Segundo Cleiton, não atendeu ninguém entre 5h58 e 6h29, apesar do acúmulo de pedidos de socorro.

“A única plantonista que se encontrava de plantão sumiu. Foi dormir, foi não sei aonde, ela desapareceu do plantão. Até que ela voltou. Depois que acabou o plantão, que aquele tumulto passou, eu fiz uma comunicação direta as chefias e nenhuma conduta foi tomada”, ressalta Cleiton.
O que dizem os médicos e os responsáveis pela central

O Fantástico procurou os médicos citados na reportagem, mas nenhum atendeu.

O Fantástico também procurou os responsáveis pela central de regulação do SAMU do Rio Grande do Sul. Jimmy Herrera, coordenador médico, confessa que sabia de tudo.

Repórter: O senhor tem conhecimento de que muitos médicos do Samu sistemicamente cumprem apenas uma parte da carga horária, quando cumprem?

Coordenador: Isso é verdade.

Repórter: Desde quando o senhor sabe disso?

Coordenador: Olha, na verdade, às vezes em que eu entro lá, né? As coisas funcionam de uma maneira diferente, né? Quando eles sabem que eu tô lá, dentro do SAMU, os atendimentos ocorrem mais rápido.

Jimmy Herrera também trabalha numa clínica particular de segunda a sexta-feira. Em três dias da semana, são pelo menos 10 horas por dia no setor privado.

“Eu não tenho dedicação exclusiva. Eu tenho isenção de ponto justamente porque eu estou à disposição do SAMU 24 horas por dia, sete dias da semana?”

O coordenador conta o que presenciou uma vez, dentro da central: “Fui nos quartos, no feminino e no masculino, onde estavam os colegas dormindo. Que tinha três colegas num quarto e um no outro quarto. Eram quatro que estavam ali”, diz.

O Fantástico também procurou o diretor do departamento de regulação do Rio Grande do Sul, Eduardo Elsade, chefe do Jimmy Herrera.

Repórter: O senhor desconhece que existe uma prática sistemática de descumprimento de horário aqui?

Diretor: Não, não existe uma prática sistemática de descumprimento de horário. Ninguém tem conhecimento de nenhum tipo de situação irregular administrativa.

O repórter apresenta então provas do escândalo, e o diretor diz que vai investigar. Por mensagem de texto, o diretor Eduardo Elsade diz “avaliamos tuas denúncias, consideramos relevantes. Duas delas, a principio, procedentes. Outras que merecem uma explicação técnica.”

A secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul informou que criou uma “comissão de sindicância”, que tem 30 dias para apurar as denúncias mostradas pelo Fantástico.

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