Déficit previdenciário de servidores atinge R$ 6 tri e derruba investimento público
O déficit atuarial dos funcionários aposentados do setor público atingiu cerca de R$ 6 trilhões e é considerado hoje um dos principais motivos para a queda da taxa de investimentos no Brasil —cujo aumento seria fundamental para a economia crescer de forma sustentável.
Os governos federal, estaduais e municipais têm dispensado valores crescentes de sua receita líquida para pagar servidores aposentados, além daqueles na ativa, sobrando cada vez menos para custear a máquina administrativa e investir.
Segundo cálculos do especialista em contas públicas Raul Velloso, em pouco mais de 30 anos só a despesa previdenciária da União saltou de 19,2% do total do gasto para 51,8%. Na contramão, o que o governo federal tinha para usar livremente (gasto discricionário) desabou de 33,7% do total que gastava para 3,1%.
Quem mais sofreu foram os investimentos, que caíram de 16% para 2,2%. No período, houve aumento também em despesas com saúde, educação e assistência social —comprimindo mais os investimentos.
Além da relação direta entre o aumento da despesa com inativos e a diminuição do investimento, evidencia-se também, ao longo das últimas décadas, a queda do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Quando a área pública investe pouco (e opera com grandes déficits), o setor privado também se retrai, investindo menos.
Entre 1980 e 2022, a taxa de investimento público em infraestrutura despencou de 5,1% para 0,6% do PIB.
Como comparação, os quase R$ 6 trilhões de déficit atuarial na previdência pública equivalem a 93% do total da dívida líquida do setor público (R$ 6,4 trilhões) —principal fonte de preocupação macroeconômica do país.
Mas, diferentemente da dívida pública, que é “rolada” com a emissão de títulos do Tesouro, o déficit de estados e municípios tem de ser coberto com cortes “na carne”; em outras despesas (como investimentos), pois trata-se de aposentadorias que devem ser pagas a milhões de ex-servidores.
Em 2017, por exemplo, durante o governo de Luiz Fernando Pezão, no estado do Rio, centenas de ex-servidores realizaram protestos, entrando em confronto com a polícia, por atrasos no pagamento de mais de 300 mil aposentadorias. O risco, no futuro, é que vários estados e municípios passem pelo mesmo.
Desde 2006, o gasto previdenciário com os servidores apresentou taxa média de crescimento real (acima da inflação) de 12,5% ao ano nos municípios, 5,9% nos estados e 3,1% na União, segundo cálculos de Velloso.
Na aprovação da reforma da Previdência, em 2019, após pressões políticas, estados e municípios ficaram de fora das novas regras que dificultaram as aposentadorias. Mas lhes foi facultado aprovar separadamente depois, em câmaras e assembleias locais, a adoção dos novos mecanismos.
Dados do governo federal mostram que, dos 2.146 municípios e estados que dispõem de regimes próprios de Previdência para seus servidores, somente 732, ou 34,1%, adotaram ao menos 80% das regras para os benefícios fixados na reforma da Previdência.
Entre os dois terços que não o fizeram, constam administrações como as do Distrito Federal, de Pernambuco, do Amazonas, do Maranhão, do Rio de Janeiro capital, de Belo Horizonte e de Florianópolis. Nas cidades do interior, de 2.093 com regimes próprios, só 701 realizaram reformas amplas.
Alguns entes também aumentaram as contribuições mensais que os inativos devem aportar no regime próprio, aliviando o déficit.
Velloso afirma ser fundamental que as administrações reformem seus regimes. Mas que só isso não resolve, pois há milhares de servidores chegando à idade da aposentadoria, o que deve continuar pressionado o déficit.
O economista defende há anos a criação de fundos para capitalizar alguns ativos (como imóveis e royalties de petróleo e minério) para o pagamento das aposentadorias.
Com a ajuda de Velloso, seu estado natal, o Piauí, adequou o sistema previdenciário às regras da reforma de 2019 e criou um fundo de capitalização, equacionando, a longo prazo, o problema atuarial de seu regime próprio de previdência.
Segundo Leonardo Rolim, ex-secretário de Previdência e ex-presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), a cidade de São Paulo também reformou o sistema e criou um fundo (com imóveis e ações de empresas) com o mesmo objetivo. Cidades como Goiânia e Campinas seguem o mesmo caminho.
Rolim afirma que, em alguns casos, o déficit poderia ser equacionado cobrando-se contribuições adicionais dos aposentados, mas que isso muitas vezes é difícil politicamente. “Há uma visão de curto prazo em muitas administrações, e os déficits não são resolvidos. Fala-se desse problema há muitos anos, mas ele só fica mais sério com o passar do tempo”, diz.
Algumas administrações têm hoje mais servidores aposentados do que na ativa, e o valor recolhido sobre seus salários é insuficiente para pagar os benefícios aos ativos. No Rio Grande do Sul, segundo Rolim, há 10 aposentados para cada 7 ativos —e a folha de pagamento de inativos é 50% maior do que a dos que ainda trabalham.
A curto prazo, muitos estados também vêm sofrendo com queda na arrecadação, principalmente os mais populosos, onde há diminuição da receita corrente líquida em relação aos 12 meses anteriores.
Para Claudio Hamilton dos Santos, coordenador de finanças públicas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), parte dos estados tem hoje dívidas com a União e, mesmo assim, reluta em fazer ajustes —embora alguns venham tentando melhorar as contas.
“Muitos já ‘quebraram’ outras vezes e sabem que, se forem mal, a União acaba ajudando no final.” Santos diz, no entanto, que faltam instrumentos mais efetivos para fiscalizar e sanear os estados.
“Em muitos casos, o ajuste que pode ser feito é diminuir o número de servidores ativos, não fazendo novas contratações. Mas isso não resolve o problema a curto prazo, nem a questão dos inativos”, diz.
Segundo ele, entre os estados, é preciso fazer distinções. Ex-territórios como Amapá e Roraima e estados “jovens” como Tocantins têm poucos inativos e fizeram ou estão fazendo reformas e poupança para pagar aposentados.
Outros seriam os “maduros” (desde sempre com muitos inativos) que fizeram o dever de casa nos últimos 20 anos com políticas salariais sensatas e/ou poupança. Casos de São Paulo e Espírito Santo. Há outros “maduros” que não fizeram ajustes, como Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Por fim, haveria os estados “maduríssimos”, que já tiveram que “cortar na carne horrivelmente na década de 2010”, como o Rio Grande do Sul. Mas, como o estado contratou poucos funcionários desde 2010, terá relativamente poucas novas aposentadorias no futuro.
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