Prefeitos de cidades afetadas pelo tarifaço vão aos EUA tentar negociar trégua

Três prefeitos de cidades brasileiras afetadas pelo tarifaço do governo Trump embarcam nesta quarta-feira, 24, para os Estados Unidos em busca de iniciar negociações com prefeitos americanos. A comitiva, que representa os polos de exportação de frutas, calçados, café e aviação do País, vai participar da Conferência Nacional de Prefeitos dos EUA, em Oklahoma.

A viagem acontece na semana em que o presidente Lula está nos Estados Unidos para discursar na Assembleia Geral da ONU. Nesta terça-feira, 23, Trump disse que teve “química excelente” com Lula durante interação de 39 segundos e que pode conversar com o petista na próxima semana.

Anderson Farias, prefeito de São José dos Campos (SP), Alexandre Ferreira, de Franca (SP) e Andrei Gonçalves, de Juazeiro (BA), devem entregar uma carta conjunta às autoridades americanas sobre os prejuízos bilionários que podem atingir a economia brasileira e a americana.

O documento propõe a reabertura de canais de negociação, a revisão gradual do regime tarifário e a criação de um fórum Brasil-EUA para discutir comércio e desenvolvimento local. O encontro reúne representantes da USCM (United States Conference of Mayors), associação de prefeitos americanos. Além dos três gestores brasileiros, a conferência inclui representantes da Frente Nacional de Prefeitos (FNP).

“Queremos mostrar que as medidas afetam não só o Brasil, mas também consumidores e empresas americanas que dependem de produtos que desenvolvemos conforme a exigência deles”, argumenta o prefeito de Juazeiro.

Ameaça de postos de trabalho e fechamento de empresas
No Vale do São Francisco, o impacto imediato foi a queda brusca nos preços da manga e no médio e longo prazo ameaça milhares de trabalhadores temporários contratados durante o período de safra. “A manga que estava sendo vendida a R$ 5 o quilo passou a ser negociada por pouco mais de R$ 1”, relata.

A pressão também é vista no comércio local. Lojas que funcionam como uma espécie de banco de financiamento para os agricultores alertam para o risco de inadimplência. “Se o produtor não consegue vender, não paga. Essa conta chega nas lojas, nos empregos das roças e no comércio da cidade”, diz o prefeito.

O Vale do São Francisco conta com 130 mil hectares irrigados, produz cerca de 1 milhão de toneladas de frutas por ano e gera 260 mil empregos diretos no setor de produção de uva e manga.

Se no Vale do São Francisco o tarifaço ameaça o sustento de milhares de trabalhadores temporários na agricultura, em Franca (SP) o problema impacta diretamente a indústria calçadista e a produção de café.

O prefeito Alexandre Ferreira afirma que 76% das exportações da cidade têm como destino os Estados Unidos, movimentando cerca de R$ 285 milhões no ano passado. Em 2025, houve retração. “Temos fábricas com 20 mil pares de sapatos prontos para embarcar e parados no estoque. É capital de giro imobilizado que deveria estar gerando emprego, renda e impostos”, afirma.

O setor calçadista representa 40,7% das exportações do município, enquanto o café responde por 21,2%. A redução do fluxo levou empresas a conceder férias coletivas e ameaça até 10 mil postos de trabalho.

Em São José dos Campos, o tarifaço impacta diretamente a Embraer. Apesar de ter sido poupada da taxação máxima de 50%, a companhia segue com 10% de imposto, enquanto concorrentes como Boeing e Bombardier têm tributação zerada. “Isso prejudica a competitividade da Embraer em outros mercados”, afirma Anderson Farias, prefeito da cidade.

Ele diz que pretende discutir a cadeia industrial e tecnológica de São José dos Campos que depende da exportação. O prefeito enfatiza que o foco é prevenir impactos econômicos e sociais, principalmente a redução de postos de trabalho. “Não há ameaça de demissões, mas não podemos esperar para que os problemas surjam. Essa viagem é para mostrar o potencial de nossas cidades e manter acordos previstos”, afirma.

Prefeitos querem usar alta de preços nos EUA como barganha
O impacto do tarifaço também chega ao consumidor americano. Ferreira cita que um par de sapatos que custava US$ 32,50 passou a ser vendido por US$ 47,50. “O impacto não é apenas para nós. O americano também paga mais caro pelo produto, isso tende a reduzir o consumo”, argumenta o prefeito, que pretende usar o aumento do preço nos EUA como barganha.

“Nossa expectativa é reabrir canais de diálogo e garantir condições mínimas de competitividade. Temos de subsidiar os prefeitos americanos de informações”, diz. Para Ferreira, a articulação com autoridades americanas é estratégica. “Queremos mostrar que os prejuízos afetam os dois lados. Aqui, colocamos em risco milhares de empregos. Lá, os consumidores estão pagando mais caro pelo café, pelo calçado e pela carne brasileira.”

Em Juazeiro, enquanto o município aguarda os desdobramentos das negociações, articula medidas emergenciais junto ao governo federal. Entre as alternativas, estão a destinação de R$ 1 bilhão para compra de frutas pela merenda escolar e a criação de uma linha de crédito específica do BNDES com juros subsidiados.

“A pressão por trabalho em Juazeiro é grande, qualquer retração ameaça uma região que levou 40 anos para consolidar o mercado internacional”, reforça o prefeito Andrei Gonçalves. A expectativa é que a missão internacional também evite a perda definitiva de competitividade do mercado de manga frente a países como México, Peru e Chile.

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Estadão/Foto: Divulgação GrandValle