Polícia investiga plano para fraudar concurso da Ufba
Polícia Civil interceptou mensagens de quadrilha especializada
Foi a agonia dos concurseiros. Em seis meses, o período de inscrição para concorrer a uma vaga como servidor técnico-administrativo da Universidade Federal da Bahia (Ufba) foi adiado duas vezes. Praticamente um ano e dois meses se passaram entre a publicação do edital e a data da prova. Até que, agora, finalmente, parecia que o concurso estava com tudo nos eixos: neste domingo (29), 72.066 candidatos devem participar do certame.
Mas o susto veio antes – mais especificamente, no último fim de semana, quando as primeiras informações sobre uma suspeita de fraude começaram a surgir nas redes sociais e nos grupos para compartilhar material de estudo. A Polícia Civil da Paraíba apontava que uma organização criminosa daquele estado fraudou o concurso do Tribunal de Justiça de Pernambuco – e, entre as provas, indícios e conversas interceptadas que indicavam que a mesma fraude seria cometida daqui a alguns dias, na prova da Ufba, em Salvador.
Em entrevista ao CORREIO nesta segunda-feira (23), o delegado Lucas Sá, titular da Delegacia de Defraudações e Falsificações (DDF) da Paraíba e responsável pela chamada Operação Gabarito, confirmou: há indícios de que o mesmo grupo que é acusado de ter fraudado mais de 100 concursos pelo país esteja atuando para favorecer – ilegalmente – candidatos às 222 vagas da Ufba. Os salários chegam a R$ 8.361,32.
“A lista inicial (dos beneficiados) conta com 10 nomes, mas identificamos informações que indicam que pode chegar a 30 beneficiados”, afirma o delegado, que diz ainda não ter a identificação de todos os possíveis beneficiários. Apesar disso, todos os membros da quadrilha já estão identificados: 31 estão presos e outras 40 pessoas, ainda em liberdade, estão sendo investigadas.
Mais um
O concurso da Ufba é só mais um dos certames que estão sob a mira dos criminosos, mas ganhou destaque depois que prints de conversas entre dois líderes da quadrilha citaram o processo seletivo. Nas conversas, divulgadas pela Polícia Civil da Paraíba à imprensa no fim de semana (após o anúncio de que o concurso para o Tribunal de Justiça de Pernambuco foi fraudado), um dos suspeitos diz que estará com todos os tipos de prova da Ufba. “Não tem como dá (sic) errado”, garante, logo em seguida.
O outro responde dizendo que vai ‘colocar a mulher na Bahia’. Quer que ela “entre” em alguma coisa, “de todo jeito”. É quando o primeiro volta a perguntar: quantas pessoas seu interlocutor conseguirá aprovar? “Por ser na Bahia, o povo ficam (sic) cheio de dedo. Mas acho que mais de 15, no mínimo”, afirma o suspeito, completando que está chamando pessoas para participar. “Esse você pode conseguir uns 40”, incentiva o outro.
As conversas são de 10 de março deste ano, mas só vieram a público agora, durante a 4ª fase da Operação Gabarito, iniciada em agosto com o objetivo de analisar mais de 15 mil arquivos digitais da quadrilha. O grupo está sendo investigado desde março, após uma denúncia anônima.
Candidatos cobram posição
Para muitos candidatos, a notícia da suposta fraude não poderia vir em pior momento. A professora Jamile Afonso, 28 anos, está estudando há nove meses e diz que ficou preocupada com a suspeita de crime. Atualmente, a rotina de estudos para o processo seletivo é tão intensa que ela se mudou de Natal (RN) e pediu demissão de empregos em duas escolas – tudo para que possa se dedicar de forma integral.
“Tenho abdicado de muita coisa mesmo. Voltei para Salvador há dois meses para me dedicar para passar nesse concurso. Não tenho um plano B. Não estou pensando em um plano B ainda”, diz Jamile, que vai tentar uma vaga de assistente em administração e afirma estar indignada. “Fica a vergonha, porque o brasileiro cobra tanto o fim da corrupção e é um dos primeiros a praticar”.
A fisioterapeuta Layla Cupertino, 25, também diz ter ficado revoltada com a possibilidade de crime.
Um candidato que não quis se identificar disse que acredita que o adiamento da prova seria a melhor opção, diante das denúncias, que classifica como “graves”. “Não vai ter como você ter a certeza que teve lisura no inteiro teor. Nunca vai ter, diante dessa enxurrada de informações. A Ufba tem que prezar pela lisura, pelo respeito. Se ela se calar diante disso, seria, no mínimo, uma postura incoerente”, diz o jovem, que mora em Feira de Santana e estuda três horas por dia.
O carioca Jean, 31, por outro lado, pensa diferente. Ele acredita que a Ufba não deve cancelar ou tentar adiar o concurso, mas deve apurar bem o caso. Há três meses se preparando especificamente para a seleção, ele deve aterrissar em Salvador no sábado (28), e garante que as notícias recentes não o desanimaram.
“É muito questionável, porque na internet tem todo tipo de informação. Agora, a Ufba tem uma demanda com a comunidade. Não pode não haver um posicionamento. Tem que existir um comunicado sobre isso, nem que seja para dizer que vai ser investigado”, pondera Jean, que não quis divulgar o sobrenome.
A prova continua
De acordo com o delegado Lucas Sá, o grupo atua em todo o Brasil há mais de 10 anos – nesse período, o prejuízo estimado é de mais de R$ 21 milhões. Os candidatos que querem burlar o sistema costumam pagar, em média, um valor correspondente a 10 vezes o salário inicial do cargo desejado – assim, há pagamentos de até R$ 150 mil para a quadrilha.
A logística incluía o uso de equipamentos eletrônicos para transmitir o gabarito e a contratação de ‘professores’ – os responsáveis pela resolução dos exercícios. Nos concursos onde a fiscalização é mais ‘branda’, os professores esperam receber fotos da prova pelos candidatos. Já em outros concursos, os profissionais se inscrevem como se fossem candidatos e resolvem a prova. Depois que saírem do local de prova, começam a transmitir os gabaritos. Os aprovados, depois de nomeados, passam a servir de contatos para a organização criminosa – ou seja, como infiltrados.
Aqui na Bahia, o delegado diz que a DDF vai fazer uma representação judicial solicitando a anulação desse e de outros concursos, além do afastamento imediato dos beneficiados que foram nomeados e da garantia que aqueles que porventura ainda estejam aguardando não sejam nomeados.
A Operação Gabarito já atuou em conjunto com polícias civis de estados como Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Amazonas e do Distrito Federal. No entanto, segundo o delegado, a Polícia Civil baiana ainda não foi acionada. Ele diz que vai analisar o que será preciso no caso do concurso da Ufba – acionar a polícia, vir até aqui ou atuar conjuntamente. Ao CORREIO, a Polícia Civil da Bahia informou que não foi notificada sobre a Operação Gabarito. A assessoria da Polícia Federal também afirmou não ter conhecimento sobre a suspeita de fraude.
Posicionamento
Em nota, a Ufba informou que tem conhecimento do que chamou de “boatos sobre supostas fraudes” no certame. A instituição diz que solicitou à Polícia Federal que investigue o caso e que notificou a Procuradoria da República e o Instituto AOCP, que organiza o concurso, embora considere que as “especulações são infundadas”. O Instituto AOCP foi procurado pelo CORREIO, mas não emitiu posicionamento oficial até a publicação da reportagem.
O Ministério Público Federal (MPF) também foi procurado, mas não informou se recebeu alguma denúncia sobre o certame.
Confira o comunicado da Ufba na íntegra
A Universidade Federal da Bahia tomou conhecimento de que vêm circulando pelas redes, boatos sobre supostas fraudes que seriam executadas por quadrilhas organizadas para esse fim, no concurso público para servidor técnico-administrativo da universidade, cujas provas serão realizadas no próximo domingo (29/10).
Mesmo estando convicta de que tais especulações são infundadas, a instituição solicitou à Polícia Federal que abra investigações sobre o assunto. Também deu ciência à Procuradoria da República junto à UFBA e à AOCP, empresa responsável por toda a organização do concurso, para que ela não somente tome as medidas necessárias durante a realização das provas como também acompanhe e acione o seu corpo jurídico.
Vai fazer o concurso? Fique ligado
Quem vai fazer a prova da Ufba pode consultar seu local de prova no site do Instituto AOCP. Os exames serão realizados em Salvador e em Vitória da Conquista, mas os horários – manhã ou tarde – mudam de acordo com o cargo escolhido pelo candidato.
Os participantes devem chegar com, no mínimo, 45 minutos de antecedência do horário de fechamento dos portões de acesso, levando caneta esferográfica de tinta azul ou preta, documento de identificação com foto e o Cartão de Informação do Candidato, que está disponível no site do AOCP. A prova terá duração de quatro horas.
Durante o exame, não é permitido portar equipamentos eletrônicos, mesmo que desligados, como máquinas calculadoras, MP3, MP4, telefone celular, tablets, notebook, gravador, máquina fotográfica, controle de alarme de carro e similares.
Os candidatos também não podem usar bolsa, relógio de qualquer espécie, óculos escuros ou quaisquer acessórios de chapelaria, tais como chapéu, boné e gorro. Para maiores informações, consulte o edital.
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