Defensoria Pública ajuíza ação pública contra fraudes nas cotas da Ufba
Denúncias são de autodeclarações fraudulentas na transição do BI para curso regular
Uma ação civil pública foi ajuizada nesta terça-feira (11) para apurar denúncias de fraude nas cotas do processo seletivo dos estudantes graduados no bacharelado interdisciplinar (BI) para os cursos de progressão linear da Universidade Federal da Bahia (Ufba). A medida foi tomada depois que alunos procuraram o DPU para denunciar que alguns dos aprovados se declararam pardos ou negros de maneira fraudulenta. O resultado da seletiva foi divulgado no último dia 3.
O defensor regional de Direitos Humanos (DRDH), Vladimir Correia, pede que a matrícula dos aprovados no processo, tanto por conta quanto em ampla concorrência, seja suspensa até que tudo seja apurado. A Defensoria pede ainda que seja feita uma apuração da veracidade das autodeclarações dos candidatos selecionados como cotistas.
(Foto: DIvulgação)
Os estudantes afirmam que houve fraude na seleção para o curso de Medicina em Salvador e em Vitória da Conquista. Pesquisando os nomes dos colegas aprovados nas redes sociais, eles viram imagens que mostram que eles não têm fenotípos necessários para atender à política de ações afirmativas como determina a lei. A ação inclui imagens dos perfis dos candidatos.
“O intuito da DPU não é desqualificar a autodeclaração firmada pelo aluno, mas tão somente tornar evidente a plausibilidade das denúncias e representações recebidas, demonstrando ser imprescindível a avaliação de todos os candidatos por uma comissão específica, em momento anterior à matrícula”, explica Correia.
A Ufba tem 20% das vagas dos cursos de progressão linear destinadas aos alunos que vêm do BI, desde 2012. Desse total, metade das vagas é para cotistas pardos e negros. O edital diz que o candidato só pode concorrer às vagas por meio da modalidade de cota que usou ao entrar na Ufba pelo Sisu. Até 2018, era exigido ao estudante somente uma autodeclaração, mas desde o ano passado a Ufba regulamentou procedimento de heteroidentificação complementar.
Agora, a Defensoria enviou um ofício pedindo esclarecimentos da Ufba, questionando se o enquadramento é feito só por autodeclaração ou há participação de uma banca de verificação. O defensor também quis saber se já há algum processo administrativo que trate dessa suspeita de fraude.
À Justiça, o defensor pediu que determine que a Ufba inclua nos próximos editais de transição mecanismos de verificação da falsidade da autodeclaração deos candidatos.
Correia pediu ainda à Justiça determinação para que a UFBA implemente, nos próximos editais de transição BI-CPL, mecanismos de verificação da falsidade da autodeclaração de candidatos concorrentes às vagas reservadas para cotistas até que se alcance a turma de ingressantes em 2018, ano anterior à implementação da heteroidentificação complementar.
Em nota, a Ufba diz que recebeu o pedido de esclarecimentos da Defensoria e que estes “serão prestados dentro dos trâmites previstos na norma institucional”. Diz que a ouvidoria da universidade já havia recebido denúncia sobre a situação e que uma Comissão de Sindicância foi constituída para apurar os fatos.”Nesse processo, são ouvidas todas as partes envolvidas, respeitando-se o direito de ampla defesa, e o resultado é tornado público. Ressaltamos que a Ufba não compactua com fraudes e que todas as denúncias são apuradas conforme determina a legislação pertinente”, diz o texto.
Denúncia
A denúncia que originou a investigação foi protocolada junto a ouvidoria da instituição depois que o resultado da seleção para alunos egressos do BI foi divulgado no último dia 03. A alegação de uma das alunas do BI em Saúde é de que as alunas aprovadas nas duas vagas destinadas para a cota A – para candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, que, independentemente da renda, tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas – não teriam direito ao benefício.
No texto da denúncia, ao qual o CORREIO teve acesso, a estudante justifica a alegação dizendo que as concorrentes selecionadas não preenchem os requisitos para serem incluídas na reserva de vagas, pois seriam “fenotipica e socialmente brancas”, como diz o texto.
A denunciante explica que, segundo regulamento da Ufba, para concorrer aos chamados cursos de progressão linear (CPL), após concluir o bacharelado, o aluno deve se manter no mesmo tipo de vaga utilizada para ingressar na instituição de ensino.
“Já sendo questionável o fato desta Universidade ter permitido a matrícula das alunas, ocupando vagas as quais não lhe são de direito, uma vez que não possuem o requisito mínimo e óbvio de ser pessoa negra ou indígena, torna-se inaceitável agora que tais injustiças permaneçam acontecendo com a conivência desta Instituição”, diz a denúncia.
O caso
Uma das seis pessoas que escolheu o curso de Medicina em Vitória da Conquista como primeira opção para o processo seletivo, a estudante resolveu denunciar logo que tomou conhecimento do resultado.
“Me sinto lesada, eu sei que são duas pessoas que não sabem e nem conseguem perceber a gravidade que é fazer o que elas fazem. Eu queria que alguém perguntasse a elas o que é ser preta pobre e periférica, para ver se elas sabem. E elas não são as únicas, tem vários como elas, que dormem tranquilos, achando que isso é certo. Eles esfregam na nossa cara que eles têm tudo que querem, porque pra eles querer é poder, e mesmo quando a gente pode a gente não consegue”, diz a jovem de 25 anos, que ingressou no BI em 2017.
Aprovada para sua segunda opção de curso, o curso de Odontologia, a estudante diz que não pretende cursar e que vai seguir buscando a vaga. “Não tenho a menor pretensão de fazer, nem cursei matéria de Odontologia, não foi pra isso que eu estudei. Esse não é um sonho só meu. É o sonho dos meus ancestrais, teve gente que morreu, uma faculdade bicentenária, quem construiu aquele prédio? Não é só por mim é por todo mundo que é igual a mim e que tem historicamente as vagas roubadas”, declara ela.
A estudante conta, ainda, que não sabe qual sua colocação na disputa pelas duas vagas a que concorreu, mas que o sonho de ser médica motivuou que fizesse a denúncia. “O relatório não deixa claro nossa posição entre os alunos que concorrem a uma determinada cota, diz apenas a classificação geral. Mas se há reservas de vaga é para garantir que pessoas negras ocupem esses espaço, e alguns de nós ocupam essas vagas para fazer pelos que vão sucedê-los, para que mulheres pretas possam ser tocadas no SUS, para que a consulta dure mais do que cinco minutos, para que alguém preto, quando visto em um hospital, não seja confundido”, protesta.
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