TCU pede bloqueio de verba do Bolsa Família e limita gastos fora do teto
Numa sinalização em defesa da regra do teto de gastos, o TCU (Tribunal de Contas da União) impôs derrotas ao governo indicando que, apesar da pandemia, critérios para excluir despesas da trava fiscal precisam ser seguidos.
Um exemplo é a verba que o governo destinou ao Bolsa Família –cerca de R$ 3 bilhões– no começo da crise e que foi criada por crédito extraordinário (fora do limite do teto). A verba extra para ampliar a cobertura do programa teve de ser bloqueada.
A regra do teto permite que despesas inesperadas sejam realizadas por crédito extraordinário. Isso foi feito, por exemplo, com o auxílio emergencial a trabalhadores informais e desempregados durante a pandemia da Covid-19.
Na avaliação do TCU, a ampliação do orçamento do Bolsa Família para atender a mais pessoas não é uma despesa imprevisível, pois a fila de espera do programa já existia desde o ano passado. Portanto, o aumento da verba por meio de crédito extraordinário seria irregular.
Procurado, o Ministério da Cidadania confirmou que “se absteve de custear despesas no âmbito do programa Bolsa Família com os créditos extraordinários”, ou seja, com recursos repassados ao programa sem a trava do teto de despesas públicas.
A fila de espera do Bolsa Família era de 522 mil pedidos em maio. O governo disse que essas pessoas atualmente recebem o auxílio emergencial e, após o fim do benefício ligado à pandemia, essas famílias serão incluídas no programa.
Em resposta a um pedido de informação do deputado Ivan Valente (PSOL-SP), o Ministério da Cidadania afirmou, no entanto, que não é possível prever quando a fila será zerada “dada a alta volatilidade de renda das famílias beneficiárias”.
O TCU levantou ainda dúvidas sobre a legalidade do uso do dispositivo fiscal (crédito extraordinário) para financiamento de obras no setor de turismo e para ações de comunicação pública, por meio da EBC (Empresa Brasil de Comunicação).
Membros da equipe econômica afirmam que esse entendimento do órgão de controle alerta para o risco de obras de infraestrutura serem consideradas irregulares se colocadas fora do teto, como articulam ministros defensores de investimento com dinheiro público.
A regra do teto de gastos impede a expansão das despesas federais acima da inflação. Aprovada em 2016, a norma foi incluída na Constituição e qualquer alteração depende de amplo apoio na Câmara e no Senado.
A restrição tem algumas exceções. Uma delas é o envio de dinheiro para despesas imprevisíveis e urgentes, como em caso de guerra ou calamidade pública. O repasse é por meio de crédito extraordinário.
“Nem todos os créditos aprovados têm destinação facilmente observável em relação ao enfrentamento da crise”, segundo relatório do TCU, que cita verba fora do teto de despesas para comunicação, contratação de pessoal, aquisição de materiais e concessão de bolsas de estudo.
Nesta quarta-feira (5), o plenário do TCU fará uma nova análise do processo sobre as mudanças nas regras orçamentárias neste ano diante da crise do coronavírus. O relator do caso é o ministro Bruno Dantas.
Uma das linhas de investigação é o uso de crédito extraordinário no valor de R$ 5 bilhões para o Fundo Geral de Turismo. Numa análise prévia, o TCU avaliou que a realização de obras no setor não parece atender a requisitos de imprevisibilidade e urgência para excluir esses gastos da regra fiscal.
Ministros da área de infraestrutura e do Palácio do Planalto articulam com congressistas uma forma de conseguir verba para obras, como saneamento e habitação, sem a trava de despesas públicas.
A ideia é que algumas obras sejam consideradas necessárias para enfrentar a calamidade pública causada pela Covid-19.
Avaliação feita com líderes do Congresso mostrou uma forte resistência à ideia de excluir projetos de habitação fora do teto, pois isso colocaria em risco a credibilidade da regra fiscal. O plano, então, foi enxugado para uma nova tentativa de acordo entre partidos.
Integrantes do Ministério da Economia são contrários a essa proposta e dizem que nem sequer haveria possibilidade de esse projeto ser executado, pois as obras não têm relação direta com a pandemia e a manobra, como classificam os técnicos, seria barrada pelo TCU, como indicam as decisões do órgão de controle.
No caso da decisão sobre o Bolsa Família, o Ministério da Economia disse que o orçamento extra foi considerado urgente e imprevisível para ampliar a cobertura do programa e permitir que famílias vulneráveis possam comprar alimentos e fortalecer o sistema imunológico na pandemia.
Por ser um programa permanente, o Bolsa Família é considerado um gasto corrente – que se mantém ao longo dos anos – enquanto que o auxílio emergencial é temporário e focado no período da pandemia. Por isso, o benefício emergencial pode, segundo o TCU, ser contabilizado fora do teto de gastos.
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Folhapress