Mortes por covid na Bahia equivalem às populações de 243 cidades

Triste marco foi alcançado 15 dias antes do previsto por cientistas, o que aumenta o medo por uma terceira onda

csm_IMG_9091_1_652491c9ba(Tiago Caldas/Arquivo CORREIO)

A Bahia ultrapassou, nesta terça-feira,18, a triste marca de 20 mil mortos pela covid-19 em um prazo 15 dias menor do que aquele projetado por cientistas para a fatídica estatística. Desde 28 de março de 2020, quando o primeiro óbito ocorreu no estado, o número de vidas interrompidas pela doença cresceu progressivamente e já bateu o equivalente às populações de 243, dos 417 municípios baianos. Com os aumentos na média móvel de novos casos e nas taxas de ocupação de leitos de UTI, acima dos 80% desde a segunda-feira, 17, o receio é que a terceira onda de contaminação esteja se aproximando, o que preocupa as autoridades de saúde.

“Estamos próximos do mês de junho e, ao que se supõe, haverá forte tendência de aglomerações em cidades do interior. Isso combinado com o espalhamento de cepas virais mais agressivas, inclusive a variante indiana, e por uma taxa de vacinação ainda insuficiente, nos faz projetar fortemente para junho e julho a ascensão de uma terceira onda, caso medidas mais efetivas de controle não sejam aplicadas”, avalia o professor Washington Franca-Rocha, coordenador do portal Geocovid, que analisa os dados da pandemia no Brasil.

Na segunda, o titular da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), Fábio Villas-Boas, em entrevista ao Jornal da Manhã, da TV Bahia, afirmou que o aumento das taxas de ocupação de leitos de UTI é um reflexo do Dia das Mães, ocorrido em 9 de maio. O secretário, na mesma entrevista, enfatizou ainda ser necessário baixar as taxas de contágio nos próximos dias, antes das festas juninas, que apresentam potenciais riscos de aglomeração. No interior do estado, segundo a Sesab, em 16 cidades os hospitais estão com 100% de ocupação nos leitos de UTI para tratar a covid-19.

Nas projeções do Geocovid realizadas em abril, a Bahia deveria atingir 20 mil óbitos em 4 de junho, caso a taxa de contágio se mantivesse a mesma. A antecipação na previsão mostra que a covid-19 se espalhou mais pelo território estadual nos últimos dias, o que acelerou a ocorrência de novas mortes. “Hoje, não temos ainda indício claro de uma terceira onda, pois registramos algumas flutuações e vinhamos de uma tendência geral de queda nos índices”, acrescenta o professor.

No total, segundo os dados registrados no boletim desta terça da Sesab, são 20.054 mortes e 961.157 casos de covid-19 na Bahia desde o começo da pandemia. Isso significa que o estado está com uma taxa de letalidade da doença de 2,09%, a sexta menor do Brasil, atrás de Amapá, Santa Catarina, Roraima, Tocantins e Acre.  Das pessoas que foram infectadas, 925 mil já são consideradas recuperadas e outras 16 mil pessoas continuam lutando para vencer a doença.

Segundo os dados de projeção feitos pelo portal Geocovid, até 12 de julho, o estado terá registrado outros 228 mil casos de covid-19 e 4,5 mil novas mortes, caso a taxa de contaminação continue nos parâmetros atuais. Se for reduzida, o número de novos óbitos será de 1,8 mil. Caso seja aumentada, é possível que o estado chegue em julho com novos 10,4 mil óbitos e um total de 30 mil mortos pelo coronavírus.

Primeira vítima foi de idoso de 74 anos

A primeira vítima da covid-19 na Bahia foi um homem de 74 anos que estava internado em um hospital privado de Salvador. Mais de um ano depois, em 27 de abril, a cidade de Cravolândia foi a última do estado a registrar uma morte por causa da pandemia. Durante todo o primeiro ano da crise sanitária, Cravolândia resistiu invicta, sem perder um de seus cidadãos para o vírus. Com o óbito registrado lá no mês passado, a doença deixou todas cidades baianas de luto, algo que poderia ter sido evitado, como avalia o infectologista Matheus Todt, da SOS Vida.

“Esse número [de 20 mil mortes] deveria ser menor. Fomos um dos últimos países a receber as ondas de covid. Vimos o que acontecia lá fora e tínhamos exemplos para seguir, mas não fizemos o correto. Tivemos conflitos entre as autoridades sobre as medidas que seriam eficazes, como isolamento, testagem em massa e uso da máscara. Tudo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza e recomenda, a gente não faz”, lamenta o médico.

Em sua avaliação, mesmo com os números altos de mortes, a Bahia tem atuação de destaque, se comparada a outros estados nordestinos. O problema é que apesar do esforço das autoridades locais, nem sempre a população correspondeu. “Claro que houve problemas, mas a política do negacionismo não foi adequada. Faltou cooperação da população e do governo federal. Não houve adesão de boa parte da população às medidas de segurança”, afirma.

Todt também considera a chegada de uma terceira onda como uma possibilidade real, devido à baixa imunização da população. “Essa nova explosão só não vai ser sentida nos locais onde as pessoas foram vacinadas. A gente precisa que todos estejam prevenidos do vírus. Se eu não estou conseguindo apostar na vacina, tem que garantir pelo menos que as pessoas tenham condição de ficar em casa e aumentar os leitos de hospital. A conta é fácil, o difícil é fazê-la fechar”, acrescenta.

Dados de óbitos costumam ser atrasados 

Em meio ao registro dos 20 mil óbitos no estado, Maria Yury Ichihara, doutora em epidemiologia e pesquisadora da Rede CoVida, alerta para a demora na notificação das mortes, o que pode gerar dificuldade nas análises feitas pelos pesquisadores. “Os dados são difíceis de serem comunicados prontamente. Os números de óbitos vêm com atraso de até um mês, por exemplo”, cita. Só no boletim de ontem, por exemplos, das 82 mortes registradas, 21 não aconteceram nos últimos sete dias.

“O atraso nas notificações de óbitos é maior do que em casos. A gente está vendo que tem uma variabilidade de notificações. A curva é flutuante. A gente tem que olhar com cuidado e avaliar se esse dado condiz com a realidade ou não. O que observamos agora é que está havendo um aumento novamente, pelo menos nas últimas três semanas”, alerta.

O que preocupa, para a pesquisadora, é que a combinação do aumento de mortes com outros números da pandemia, como crescimento na procura por atendimento nos gripários de Salvador e as internações nos leitos de UTI, tornam a realidade mais preocupante.

Na capital, entre os meses de abril e maio deste ano, houve um aumento de 87% na procura pelos gripários, que são as unidades que fazem a triagem das pessoas que apresentam sintomas gripais e são suspeitas de estar com a covid-19.

Nos 13 primeiros dias de abril, os seis gripários da cidade atenderam 3.557 pacientes, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS). No mesmo período de maio, o número foi de 6.650. Foram 3.093 casos a mais. Até 16 de maio, essas unidades haviam atendido 7.761 pacientes, sendo que em 11 dias o número de atendimentos passou de 400 em 24 horas.

“Quando soma todos esses fatores, percebemos que os gestores precisam ficar atentos e já fazer ações imediatas. Interromper o transporte intermunicipal no São João, por exemplo, é uma atitude muito oportuna. Ampliar o toque de recolher e convocar a população para não aglomerar e usar máscara são outras ações. A população precisa ter conhecimento dessa realidade epidemiológica”, defende.

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.

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