Estudantes que desistem da faculdade são o dobro dos que concluem cursos na Bahia

No estado, 54 mil alunos abandonaram a graduação entre 2016 e 2021 

csm_Ufba_arquivo_correio_5a778ba544(Arquivo CORREIO)

Para a maioria dos estudantes, ingressar no ensino superior é tarefa que demanda esforço. Mas, o que nem sempre é dito para os calouros é que permanecer na universidade, seja pública ou privada, pode ser tão difícil quanto entrar. Prova disso é que o Censo da Educação Superior de 2021 aponta que o número de alunos da Bahia que desistem da graduação é duas vezes maior do que aqueles que concluem os cursos.

Na pesquisa, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) levou em consideração dados sobre o ensino superior do país entre 2016 e 2021. Dos 565.950 estudantes baianos que ingressaram no ensino superior ao longo desses anos, 54.167 (9,5%) largaram a graduação antes de se formar; apenas 28.006 concluíram e 268.974 ainda estão matriculados.

Nas universidades públicas, 131,2 mil alunos ingressaram entre 2016 e 2021, mas apenas 4,8 mil se formaram. Os desistentes somam 8,7 mil. Nas faculdades particulares, dos 434.676 calouros,  45.401 desistiram da graduação ao longo dos cinco anos pesquisados e apenas 23.159 receberam o diploma. Nas duas modalidades de ensino, público e privado, desistentes são quase o dobro dos alunos  concluintes.

Enquanto estava no ensino médio, Ana Júlia Sobral, de 21 anos, estudou para alcançar as expectativas de entrar em uma universidade pública de Salvador. Isso de fato aconteceu em 2019, mas sua nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não foi suficiente para que ela ingressasse no curso que queria, Direito. Sem querer desperdiçar os anos de estudo, Ana se matriculou no Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, na Universidade Federal da Bahia (Ufba) com a esperança de realizar transferência interna.

Logo no primeiro semestre, a jovem percebeu que esse seria um longo caminho e decidiu cursar Direito em uma faculdade particular da capital. Esse foi só o começo da empreitada. Um ano depois de entrar na Ufba, ela conseguiu se matricular no curso desejado, dessa vez na Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

Quando Ana achou que as coisas finalmente entrariam no eixo, a necessidade de trabalhar falou mais alto e ela trancou a terceira graduação em quatro anos. Hoje, faz um curso tecnólogo à distância: “Foi o que consegui encaixar na minha rotina”. O troca-troca protagonizado por Ana Júlia não é incomum no meio universitário, especialmente em momentos de crise econômica e sanitária, como foi a pandemia.

Raquel Nery é professora da Faculdade de Educação da Ufba e afirma que uma série de fatores explicam os motivos pelos quais a universidade se torna um ambiente hostil. Segundo ela, nas últimas décadas o número de vagas cresceu, mas as instituições ainda precisam criar mais maneiras de fortalecer a permanência estudantil.

“A universidade passou por um processo de expansão de vagas que visava a uma demanda histórica de inclusão. O estudante que entrou na Ufba é negro, pobre e que muitas vezes vem do interior e que não teve uma educação básica de qualidade”, explica. Assim, o ritmo de estudo e a competitividade acabam sendo obstáculos para esses alunos.

A Pró-Reitora de Ensino de Graduação da Ufba, Nancy Ferreira, analisa que para além da ampliação do acesso, as universidades públicas devem realizar um papel ativo para que os alunos não desistam da graduação.

“Nós precisamos associar o ingresso dos estudantes na Ufba, através das diversas cotas, à manutenção desses alunos na universidade. Não basta apenas o estudante ingressar na sociedade. Nós precisamos garantir, como sociedade, a presença até o final do curso de graduação”, defende.

Nas particulares a situação é semelhante. O estudante de engenharia de software, Lucas Souza, precisou trancar o curso em uma faculdade privada da capital quando a instituição anunciou aumento da mensalidade e retorno do regime presencial – antes estava remoto devido à pandemia.

“Quando me matriculei, eu pagava uns R$ 600 reais, aí aumentaram para R$ 700 e anunciaram que seria presencial. Eu moro em Feira, ainda teria que me mudar para Salvador. Não tinha como arcar com os gastos”, afirma.

Felizmente, o jovem pôde voltar para o curso dois meses depois, mas em outra faculdade. Agora Lucas está em uma instituição de Ensino à Distância (EaD).

Para a professora Raquel Nery, a falta de políticas de permanência estudantil e o tratamento da educação como mercadoria e não como direito civil explicam a evasão em particulares. Ela cita a criação de programas de assistência e incentivo à graduação, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que perdeu forças nos últimos anos. Só de 2021 para 2022, os recursos destinados tiveram queda de 35%. Enquanto que há dois anos o investimento foi de R$ 8,48 bilhões, ano passado o valor foi reduzido para R$ 5,53 bilhões.

A estudante Ana Beatriz Martinez, 24, também começou um curso em uma faculdade privada e desistiu antes de se formar, mas por um motivo diferente. Ela conta que começou a estudar Relações Internacionais quando tinha 19 anos, na Unijorge, em Salvador, com o objetivo de trabalhar com ONG’s ou até mesmo entrar na Organização das Nações Unidas (ONU) e ser uma diplomata, mas que se decepcionou quando precisou lidar com outras áreas do curso que não a interessavam.

“Me desestimulou muito quando tive que lidar com matemática na parte de economia do curso, estava lendo uns textos que não faziam sentido para mim, então eu andava triste com a faculdade”, conta a estudante.

Beatriz detalha ainda que percebeu que poderia encontrar em outros cursos o que a interessava em Relações Internacionais, foi quando decidiu estudar Jornalismo na Unifacs. Apesar de ser uma decisão difícil, mudar de faculdade, a jovem destaca que para ela foi uma transição fácil. “Eu pensava em fazer algo novo, começar do zero, então não sofri com a mudança. O impacto na minha vida foi super positivo, porque voltei a ter ânimo de viver e as coisas voltaram a fazer sentido para mim. Hoje eu vou para a faculdade feliz da vida”, confessou.

Desistência em particulares é ainda maior
A pesquisa ainda mostra que, enquanto a taxa de alunos que desistem do curso ao longo da formação é de 6,7% nas universidades públicas, nas particulares chega a 10,4%. Mais de 131 mil estudantes passaram em universidades públicas da Bahia e, destes, 8.766, desistiram. Nas privadas, 430 mil estudantes entraram, sendo que 45 mil deles desistiram entre 2016 e 2021. A taxa de desistência é calculada com base nas taxas de alunos ingressantes e desistentes, sem considerar formados.

Para Ihanmarck Damasceno, vice-presidente de Acadêmico e Relações Institucionais da Rede FTC, três fatores principais explicam a evasão. Segundo ele, que possui experiência como docente e executivo, arrependimento de escolha do curso, hábitos de estudos não consolidados e dificuldades financeiras são os grandes responsáveis pela desistência. Ihanmarck analisa que alunos em geral se matriculam em faculdades privadas alguns anos após a finalização do ensino médio, o que causa lacunas de aprendizagem e pressão para priorizar o trabalho.

“A faixa etária esperada para que o jovem inicie no ensino superior é a partir dos 17 anos, assim que concluir o ensino médio. Mas isso não é a realidade para boa parte dos que ingressam no ensino superior brasileiro”, afirma. Apesar de Ihanmarck considerar fatores econômicos como secundários, histórias de alunos demonstram que eles impactam e muito.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro

**Colaborou Laiz Menezes 

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