Ataque em escolas: aplicativos de games e bate-papo são monitorados pela SSP

Especialistas discutem como jogos violentos afetam os jovens 

csm_Ifba_d005ffea6fCampus do Ifba em Salvador adotará medidas mais rígidas de segurança (Paula Fróes/CORREIO)

O episódio de terror vivenciado no Colégio Estadual Luiz José de Oliveira, na Fazenda Grande I, em Salvador, na manhã desta quinta-feira (13) intensificou o alerta das autoridades que estão combatendo as ameaças de ataques às escolas baianas. Após o estudante de 20 anos ter alegado que foi chantageado e coagido por criminosos a realizar ameaças contra professores e colegas através de um aplicativo, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que a Polícia Civil está monitorando o WhatsApp, Instagram, Facebook e Discord de todos os suspeitos que estão tentando causar pânico no ambiente escolar.

Dentre as redes sociais que são alvo de inspeção da polícia, o Discord chama atenção por ser uma plataforma voltada principalmente para a comunicação de gamers, com recurso de chat durante os jogos online. O aplicativo ficou na mira das investigações porque através dele, em grandes coletivos virtuais, muitos jogadores, sobretudo crianças e adolescentes, jogam jogos com forte apelo à brutalidade e podem ter contato com criminosos que estimulam o cumprimento de missões violentas na vida fora das telas.

Normalmente, os jogos escolhidos são os de tiros, com classificação indicativa superior aos 16 e 18 anos, com linguagem imprópria e, em alguns casos, conteúdo sexual. Os jogos têm narrativa fundamentada em matar o adversário, que por vezes são criaturas fantasiosas ou já extintas. Segundo Isa Coutinho, pesquisadora em jogos digitais pela Uneb e gestora escolar, o nível de imersão e a satisfação ao cumprir as tarefas do jogo torna o jovem mais suscetível à sedução de extrapolar o poder experimentado na tela do celular, TV ou computador e testá-lo no mundo real.

“Quando eles interagem com o jogo e percebem que naquele lugar eles têm poder, podem ter seguidores e mobilizar a sociedade, isso faz parte da jogada e faz parte para que o jogador seja ativo. Então, o que podemos observar hoje, nessa onda de violências contra as escolas, não é um evento do game, mas de uma sociedade do espetáculo”, aponta.

O psiquiatra Antonio Freire explica que o que gera preocupação na interação dos jovens com os jogos com apelo à violência é a iminente dessensibilização à violência na vida real. “Ela diminui a empatia, necessária para desencadear o processo de raciocínio moral que desencadeia a resposta pró-social. Por sua vez, [a dessensibilização] pode aumentar a agressividade e diminuir o comportamento pró-social, em crianças com padrão de desenvolvimento típico, sem componentes patológicos”, detalha.

Na casa do técnico em eletrônica Manoel Roque Pereira, 54, limites rígidos quando o assunto são jogos já são praticados há bastante tempo pelo tio e tutor de duas crianças de 12 e 8 anos. “Se eu deixar, eles ficam quatro horas direto no celular. Eu tomo e digo ‘já chega’ ou vou controlando a situação. Deixo todo tipo de jogo, menos de violência. Eles têm vontade de jogar uns de luta, de arma, mas não deixo, não. Minha preocupação é eles aprenderem coisa ruim e até influenciarem a mente deles”, afirma.

No entanto, Isa Coutinho lembra que os jogos, por si só, são apenas estimuladores, inclusive educativos, e que não devem ser vistos como vilões. “Podemos ter cultura através dos jogos, raciocínio lógico matemático, alfabetização. Até mesmo os jogos mais violentos têm investimento em narrativas. Essas narrativas, se interpretada de forma errônea, pode causar gatilho. Mas o problema não está no jogo”, pondera.

A preocupação maior é direcionada aos jovens que têm transtornos de personalidade. Segundo a psicóloga Rafaela Trinchão, são eles que têm maior possibilidade de apresentar um comportamento agressivo diante da exposição excessiva de jogos violentos, ainda que todos estejam sujeitos a alteração de comportamento. Ela sinaliza que os pais devem prestar atenção aos sinais considerados alarmantes.

“As crianças e adolescentes demonstram sinais de alerta quando se irritam com facilidade, demonstram inquietação, têm um comportamento e falas mais agressivas, evitam qualquer tipo de interação social, preferem ficar recluso manuseando o celular e fazem apologia a personalidades ditadores, que põe a violência como norteador da sua tomada de decisão”, elenca.

Rafaela Trinchão destaca que é importante que os pais estabeleçam limites de tempo de tela, monitorem o que os filhos jogam e assistem, e confiram a classificação dos jogos. Ainda, recomenda que façam em conjunto algo que fuja da rotina e dos eletrônicos, e mantenham o diálogo. “A ajuda de um profissional também poderá favorecer a condução emocional e comportamental do jovem e respectivamente de seus pais”, finaliza.

Outros ataques

A onda de ataques às escolas baianas em cumprimento a ameaças que circulam nas redes sociais continua aterrorizando o dia a dia de pais, professores e alunos. Em Salvador, além do caso ocorrido no Colégio Estadual Luiz José de Oliveira, na Fazenda Grande I, na manhã desta quinta-feira (13), pelo menos outros quatro casos instalaram o caos em escolas da Bahia, sendo três deles nos bairros do Subúrbio Ferroviário de Salvador, Cidade Nova, Calçada, em Salvador, e um caso na cidade de Cravolândia, no interior do estado.

Até a tarde desta quinta-feira, a Operação da Ronda Escolar da Polícia Militar, alcançou 22 adolescentes e adultos envolvidos com boatos e tentativas de causar pânico em escolas. Pela manhã, os policiais militares apreenderam uma machadinha, um facão e uma corrente na mochila de um aluno, na Cidade Nova, em Salvador.

Os alunos perceberam a situação e acionaram a gestora, informando que o jovem estava armado. Os professores mantiveram o jovem isolado em uma sala até a chegada da polícia, que o conduziu à Delegacia para o Adolescente Infrator (DAI), acompanhado da responsável e de um gestor da escola. Nenhum estudante foi ferido.

Em Periperi, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, uma criança de 11 anos e sete adolescentes levaram facas e uma peixeira para a escola, mas acabaram detidos pela PM. Equipes do Centro Integrado de Comunicações (Cicom) receberam a informação via 190 e acionaram as equipes da Operação Ronda Escolar e da 18ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM), que, por sua vez, seguiram para o colégio.

A criança foi apreendida e encaminhada para o Conselho Tutelar. Os adolescentes seguiram até a Delegacia para o Adolescente Infrator (DAI). No momento da apreensão, eles estavam em diferentes salas da escola.

A major Maria Soledad, comandante da Ronda Escolar, chamou toda a comunidade para atuar junto na proteção das escolas e das crianças. “Acredito que este deve ser um esforço conjunto, com a participação dos pais, da comunidade escolar e de toda a sociedade”, frisou.

No bairro da Calçada, dois simulacros de pistola foram apreendidos com estudantes em Salvador. As equipes da PM tiveram acesso ao local e durante as buscas encontraram o armamento dentro do banheiro masculino. O material foi encaminhado para a 3ª Delegacia Territorial (DT), no Bonfim. O aluno ainda não foi identificado.

No interior do estado, em Cravolândia, no Vale do Jiquiriçá, uma guarnição do 19º BPM fazia rondas no Centro da cidade, quando foi informada pela comunidade escolar sobre um adolescente de 16 anos armado. O jovem foi identificado e apreendido junto com a arma falsa. O conselho tutelar foi chamado e o menor encaminhado para a Delegacia Territorial (DT) do município.

Aumento das medidas de segurança 

Para intensificar o combate contra as ameaças e tentativas de ataque às escolas de Salvador, o prefeito Bruno Reis anunciou, via redes sociais, nesta quinta-feira (13) uma série de medidas preventivas de segurança para as escolas municipais, figurando, entre elas, o início de uma ronda da Guarda Municipal nas escolas e a ampliação do videomonitoramento nas unidades de ensino, com o objetivo de garantir a proteção de estudantes e profissionais da Educação.

O prefeito se reuniu com integrantes da Secretaria da Educação e da Guarda Municipal para discutir o tema e disse que não poderia assistir a onda de ataques de braços cruzados. De acordo com ele, a partir desta sexta-feira (14), a ronda da Guarda Municipal estará circulando nas imediações das escolas municipais nos turnos da manhã e da tarde.

A Guarda Municipal também terá treinamento dos dirigentes escolares para lidarem com situações relacionadas a violência. Todas essas medidas, conforme informações do prefeito, serão de caráter permanente. “Elas chegam para ficar. Espero, com isso, poder levar mais segurança, mais tranquilidade para os nossos profissionais da educação e, principalmente, para os nossos alunos, que precisam estudar nas nossas escolas com tranquilidade e segurança”, ressaltou.

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (Ifba) também anunciou nesta quinta-feira (13) a adoção de medidas de segurança no Campus Salvador. Dentre elas, estão o aumento no rigor do acesso ao campus, acréscimo de mais um posto de segurança com dois vigilantes, instalação de câmeras, estudo do funcionamento das catracas e cartão de acesso e orientações à equipe de segurança e portaria, além do contato frequente com o 2º Companhia Independente da Polícia Militar, que atende a região, com o pedido de reforço as rondas.

Em Amargosa, na zona da mata baiana, a prefeitura informou que vai implantar nas escolas do município um protocolo interno a fim de orientar os professores sobre como lidar com atentados, indicando saídas de emergência e rotas de fuga. A medida está dentro das ações previstas em decreto publicado na última quarta-feira (12), que institui a criação do “Comitê interinstitucional de avaliação, apoio e gerenciamento para a promoção da segurança escolar no município”.

*Com a orientação da subeditora Fernanda Varela

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