Em quatro dias, 19 pessoas são mortas em ações policiais na Bahia
Intervenção mais recente, nessa segunda-feira (31), deixou quatro mortos em Cosme de Farias, na capital
Movimentação da polícia na Rua Jaguarari, em Cosme de Farias. Crédito: Paula Fróes/CORREIO
Nos últimos quatro dias, ao menos 19 pessoas foram mortas na Bahia durante ações policiais. O caso mais recente, nessa segunda-feira (31), foi no bairro de Cosme de Farias, em Salvador, onde quatro homens foram mortos em suposto confronto com a Polícia Militar. Em duas semanas, o total de mortes chega a 25, em ações divulgadas pela polícia e noticiadas na imprensa. O Instituto Fogo Cruzado atualizou o número de tiroteios na capital e região metropolitana — 960, sendo 348 em ações policiais de janeiro deste ano até domingo (30).
Na Rua Jaguarari, em Cosme de Farias, moradores relataram a presença de homens armados traficando drogas na região. Segundo a PM, equipes da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT) Rondesp Atlântico intensificavam o patrulhamento quando foram informadas da prática de tráfico de drogas. Durante as buscas pelos suspeitos, os policiais militares se depararam com o grupo, que fez disparos de armas de fogo. Houve revide.
Ainda de acordo com a PM, após o confronto, todos os quatro suspeitos foram encontrados feridos e socorridos ao Hospital Geral do Estado (HGE), onde morreram. Com eles, foram apreendidos uma metralhadora de calibre 9mm, três pistolas de calibres 9mm, 765 e 45, cinco carregadores, um deles alongado, munições, 160 embalagens contendo maconha e 23 pedras de crack.
Todo o material apreendido foi apresentado ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), onde a ocorrência foi formalizada. A Polícia Civil informou que as armas dos policiais e todo o material apreendido serão encaminhados para perícia no Departamento de Polícia Técnica (DPT). Além disso, depoimentos dos PMs, de possíveis testemunhas e laudos periciais contribuirão para o esclarecimento do caso.
Após as mortes, os ônibus deixaram de circular no fim de linha do bairro, e não há previsão de retorno. O ocorrido criou um ambiente de tensão entre moradores e agentes que tinham participado da ação, que chegaram a receber gritos de ‘assassinos’.
Com os suspeitos, foram apreendidos armas, carregadores, munições e drogas. Crédito: Divulgação/PM
Casos anteriores
No domingo (30), oito pessoas foram mortas em uma operação policial na cidade de Itatim, na Chapada Diamantina. Informações da Polícia Militar indicam que agentes da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT) Rondesp Chapada tinham sido notificados de que havia diversos homens armados e drogas na região do Morro do Tigre, na zona rural. Lá, os suspeitos teriam atirado contra os policiais, o que deu início à troca de tiros.
Conforme a Polícia Civil, as vítimas foram identificadas como Elielson Rodrigues Dias, de 23 anos; Luciana Santos Dias, 21; Vadson Silva Lima, 21; Clebson Santos Macedo, 19; Kauã Santos Macedo, 18; Matheus de Jesus Santiago, 17; Jakson Marcos de Jesus, 17; e Iasmin Santos Souza, 13.
Kauã tinha três mandados de prisão por associação ao tráfico, homicídio e roubo; Clebson tinha dois mandados por roubo e passagem por tráfico; Elielson, por sua vez, já tinha sido condenado por tráfico; e dois dos três adolescentes tinham mandados de apreensão em aberto, por atos infracionais análogos ao crime de roubo.
Com eles, foram apreendidas nove armas de fogo: uma submetralhadora calibre 9 milímetros; duas espingardas — uma calibre 12 e uma calibre .22 ; uma carabina calibre .38; três pistolas — duas calibre .380 e uma calibre 765 ; e dois revólveres calibre .38. Além das armas, foram encontrados 284 gramas de cocaína, 133 papelotes de cocaína e 50 gramas de maconha. O material apreendido foi encaminhado à 12ª Coordenadoria de Polícia do Interior (Coorpin), onde a ocorrência foi registrada.
Na sexta-feira (28), um confronto com a Polícia Militar em Jauá, na cidade de Camaçari, Região Metropolitana de Salvador (RMS), resultou nas mortes de sete suspeitos. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado, a polícia tinha sido informada de que o grupo estava se preparando para atacar uma facção rival na RMS e na capital.
Por isso, equipes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), da Companhia Independente de Policiamento Especializado (Cipe) Polo Industrial, das Rondas Especiais (Rondesp) RMS e do Tático Ostensivo Rodoviário reforçaram as ações de policiamento na localidade de Jauá.
Durante as rondas, os militares encontraram um grupo de cerca de 15 suspeitos. Ainda conforme a SSP, quando os policiais se aproximaram, os homens atiraram e correram para uma região de mata. Após um confronto entre os dois lados, as equipes socorreram sete integrantes do grupo, levando-os ao Hospital Menandro de Faria, em Lauro de Freitas. O restante do grupo fugiu.
Com eles, foram apreendidos uma submetralhadora e duas pistolas calibre 9mm, além de duas pistolas calibre 40, um revólver calibre 38, carregadores, munições, uma quantidade de drogas não informada (maconha, cocaína e crack) e 761 reais. Segundo o levantamento inicial da polícia, o grupo integrava uma facção cujo líder pertenceu ao Baralho do Crime da Secretaria da Segurança Pública e, hoje, está preso em São Paulo.
A 4ª Delegacia de Homicídios (DH)/Camaçari está investigando as mortes na operação policial. A delegacia, diz a Polícia Civil, já recolheu as armas dos militares para perícia no DPT, coletou depoimentos e realiza demais apurações, que serão complementadas pelos laudos periciais.
Em duas semanas, número chega a 25 mortes
Se contabilizadas as seis mortes nas cidades de Elísio Medrado e Amargosa, no Recôncavo Baiano, no dia 18, o número de mortes resultantes de ações policiais no estado chega a, pelo menos, 25 em duas semanas. A informação foi que agentes da 99ª CIPM faziam rondas em Elísio Medrado, quando avistaram um veículo branco com indivíduos em atitude suspeita e que, ao ter notado a presença dos PMs, atiraram contra eles e fugiram para uma área de mata.
Durante as buscas, os policiais conseguiram localizar quatro suspeitos, mas houve um novo tiroteio. Segundo a PM, os baleados foram socorridos para unidades de saúde situadas em Elísio Medrado e Amargosa, mas não resistiram aos ferimentos. Com eles, foram encontrados uma espingarda calibre 12; uma pistola 9 mm; duas submetralhadoras; 241 munições de calibre 556; 325 munições de .40; 13 munições de calibre 12; 45 munições de 9 mm; dois carregadores; e 158 pinos de cocaína.
Polícia que mais mata no país
Os índices alarmantes dos últimos quatro dias apenas confirmam o que mostra o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado neste mês: a Polícia Militar da Bahia é a que mais mata no país. A corporação local lidera o ranking, com 1.464 mortes em intervenções durante o ano passado — à frente da do Rio de Janeiro, que acumulou 1.330. O número indica crescimento em relação a 2021, quando houve 1.335.
De janeiro até o último domingo, foram registrados, pelo Instituto Fogo Cruzado, 960 tiroteios em Salvador e RMS, com 735 mortos e 195 feridos. Desses tiroteios, 348 foram provocados por ações policiais — a reportagem não conseguiu obter o número de mortes discriminado. Até antes do fim de semana, ou seja, quinta-feira (27), tinham sido contabilizados 21 tiroteios e 24 óbitos a menos — 939 e 711, respectivamente. No período, sete intervenções do Estado foram responsáveis por ter provocado tiroteios.
Segundo o sociólogo Dudu Ribeiro, da Iniciativa Negra, as forças de segurança participam, em média, de 35% dos episódios de tiroteio na capital e região metropolitana monitorados pelo Fogo Cruzado. “Nós temos um aparelho de guerra fazendo a segurança pública nos bairros de Salvador e de toda a Bahia. Precisamos reformar a segurança, porque ela não pode ser centrada num aparelho de guerra”, afirmou Dudu.
Ainda de acordo com o anuário, das cinco cidades com as maiores taxas de mortes violentas, quatro são baianas, o que faz a Bahia ser o segundo estado mais violento do país, atrás apenas do Amapá. Além disso, foi o quinto estado com menor gasto per capita em segurança pública em 2022.
Para o especialista, investir em segurança não deve ser entendido como investir apenas em policiamento. “A gente precisa pensar como os outros segmentos contribuem para a produção de segurança, isto é, pensar o que as secretarias da Educação, Cultura, Esporte e Direitos Humanos, por exemplo, têm a contribuir”, explicou Dudu.
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